Este livro de ditos populares foi escrito entre 4 de Fevereiro de 2002 e 1 de Dezembro de 2019. A sua valia está na mensagem que contem. É feito de apontamentos de oralidade que se transmitiram de geração em geração na Beira Alta Portuguesa (…). Mais do que adágios, os ditos são manifestações da cultura local desta região. São pedaços de sabedoria popular que eram prontamente usados de acordo com cada situação ou cada circunstância. Evocam tempos idos, de pequenas sociedades locais aldeãs, onde prevalecia uma agricultura penosa, de grande esforço e pequenos rendimentos. Terras pobres, de escassez e de pobreza, condicionavam o modo de vida. A baixa literacia da maior parte da população encontra nestes ditos a criação de uma identidade coletiva para uma população com modos de vida simples. Breves, os ditos populares foram prontos meios de aconselhamento ético, ou de ensinamento instantâneo. Difundiam-se facilmente como solução para tudo. Não raro deixam transparecer alguma sátira e irreverência. Fazem parte de um imaginário cultural regional, que pode ajudar a entender a transmissão de valores e comportamentos, individuais ou coletivos.
Com este livro, dá-se início a um trabalho de recolha e estudo das Lendas e Contos Populares Transmontanos com a participação marcante de um vasto número de “Narradores da Memória”, que transmitiram de viva voz as suas narrações tal como as ouviram aos antepassados. Ao todo, um corpus de 215 lendas e contos.
No espólio recolhido, sobressaem as lendas de lugares, de capelas, alminhas e cruzeiros, milagres, aparições da Virgem, tesouros em ruínas de castros e castelos, mouros guerreiros e mouras encantadas, lobisomens, bruxas, almas penadas, trasgos e demónios; a par de um rol vastíssimo de contos populares, classificados de acordo com os catálogos internacionais, onde figuram os contos religiosos, contos de animais, contos de encantamento, contos jocosos e anticlericais.
São histórias fantásticas, que voaram no tempo nas asas da memória dos seus narradores. Galgaram países, montanhas, cidades e aldeias, numa viagem imparável na voz de romeiros, jograis, corsários, meirinhos, amoladores e almocreves. Entraram e saíram em palácios, nos lares humildes das serras, nas choupanas dos pastores, tornando-se hoje um acervo importante da cultura e identidade de um povo.
A cerâmica figurativa de Barcelos constitui uma das mais belas e intrigantes manifestações da cultura e da identidade portuguesas. Delirante, quase alucinada, parece confirmar a cada boneco, a cada esgar dos seus desorbitados olhos, a ideia segundo a qual as mãos dos artesãos das freguesias de Galegos São Martinho e Galegos Santa Maria possuem um misterioso poder demiúrgico, singular ao ponto de combinar as mais arreigadas manifestações de religiosidade com figuras de feição pagã, quase demoníacas.Se o galo de Barcelos se transformou há muito num dos mais incontestáveis ícones do nosso país, o gene criativo surgido com a figura tutelar de Rosa Ramalho tem sido contraído e mantido por sucessivas gerações das famílias Ramalho, Côta e Mistério, apenas para referir os expoentes máximos desta manifestação artística.Seja pelo seu exotismo excêntrico — ao mesmo tempo infantil, expressionista e monstruoso —, ou pela sua pura condição de arte, os bonecos de Barcelos têm atraído o interesse de inúmeros colecionadores ou de simples devotos daqueles mistérios. Foi também esse o caso dos arquitetos Alexandre Alves Costa e Sergio Fernandez, docentes da nossa Faculdade de Arquitetura e obreiros da coleção de 600 peças que em 2022 doaram ao Museu de História Natural e da Ciência da Universidade do Porto.A exposição que acolhemos no edifício-sede da reitoria e a produção deste catálogo, que doravante documentará o rigor e a riqueza daquela coleção, constituem, pois, um gesto de reconhecimento e de gratidão, mas também a manifestação de um compromisso: ao zelo, à dedicação, à confiança e à generosidade dos arquitetos Alexandre Alves Costa e Sergio Fernandez, retribuirá a Universidade do Porto com a firme determinação de tudo fazer para preservar e continuar a divulgar o extraordinário acervo que nos legaram.António de Sousa Pereira, Reitor da Universidade do Porto