Escrito nas Margens - Livro de Horas VIII
Este novo Livro de Horas, preenchido pela escrita de Maria Gabriela Llansol nos espaços livres – margens para ela expectantes – de uma boa parte dos livros que leu, e que hoje se encontram na biblioteca que deixou, vive de um sector literalmente «marginal» (mas não menos significativo) de toda a sua escrita inédita.
Estabelece-se, assim, nas onze partes em que o organizámos, uma imediata conexão, que Llansol por mais de uma vez destaca, entre o acto de ler e o impulso de escrever. Trata-se de um gesto diferente, e único, de escrita a partir da leitura, para o qual a autora inventa um novo verbo: escreler. Partindo da distinção (e complementaridade) entre a escrita que nasce do olhar sobre o mundo (que em Llansol pode ser o da imanência das coisas ou o do curso da História) e aquela cuja origem primeira é o livro alheio, chegamos a essa dupla forma de escrita-leitura: a do escrever (o livro do mundo) e a do escreler (o livro do outro).
| Editora | Assírio & Alvim |
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| Editora | Assírio & Alvim |
| Negar Chronopost e Cobrança | Não |
| Autores | Maria Gabriela Llansol |
Escritora portuguesa de ascendência espanhola, nascida no ano de 1931 em Lisboa. Licenciou-se em Direito e em Ciências Pedagógicas, tendo trabalhado em áreas relacionadas com problemas educacionais. Em 1965, abandonou Portugal para se fixar na Bélgica. Regressou há alguns anos a Portugal. Considerada uma autora cuja escrita é hermética e de difícil inteligibilidade para o leitor comum, é, no entanto, apontada por muitos como um dos nomes mais inovadores e importantes da ficção portuguesa contemporânea. A sua carreira literária iniciou-se com Os Pregos na Erva (1962), obra que inaugurou uma nova forma de escrever, embora estruturalmente se assemelhe a um livro de contos. Publicou de seguida Depois de os Pregos na Erva (1972), O Livro das Comunidades (1977), A Restante Vida (1983), Na Casa de Julho e Agosto (1984), Causa Amante (1984), Contos do Mal Errante (1986), Da Sebe ao Ser (1988), Um Beijo Dado Mais Tarde (1990), com evidentes ressonâncias autobiográficas, Lisboaleipzig 1: O Encontro Inesperado do Diverso (1994), Lisboaleipzig 2: O Ensaio de Música (1995), Ardente Texto Joshua (1998) e Onde Vais Drama Poesia? (2000).
No caso de Maria Gabriela Llansol dificilmente se podem aplicar designações tradicionais como conto, romance ou mesmo diário. Apesar de se detetarem elementos tradicionais da narrativa, as suas obras, mais do que narrativas, são conjuntos de pequenos quadros e meditações. A ação localiza-se geralmente na Alemanha ou em regiões próximas, nos primórdios do Renascimento, num ambiente fantástico em que à volta de Copérnico, Isabol ou Hadewijch se movimentam personagens inspirados em pensadores místicos como San Juan de la Cruz e Eckhart e filósofos como Nietzsche e Espinosa.
Os diários Um Falcão em Punho (1985), considerado o ponto de viragem no que toca à cada vez maior inteligibilidade da sua escrita, e Finita (1987), distinguem-se das obras ficcionais pela sua aparente ordenação cronológica e pelas reflexões sobre a conceção materialista em que se baseia a mística e a poética da autora.
Um dos traços mais marcantes de toda a sua produção consiste na constante negação da escrita representativa, com inserção no texto de diferentes caracteres tipográficos, espaços em branco, traços que dividem o texto, perguntas de retórica, aspetos que contribuem para a sensação de estranheza que os seus textos provocam.
Levando às últimas consequências a criação de um universo pessoal que desde os anos 60 não tem paralelo na literatura portuguesa, a obra de Maria Gabriela Llansol faz estilhaçar as fronteiras entre o que designamos por ficção, diário, poesia, ensaio, memórias, etc.
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O Começo de um Livro é Precioso"A escrita de Maria Gabriela Llansol inscreve-se em livros que "crescem" uns nos outros, num movimento ondulatório de eternos começos - O começo de um livro é precioso. "Muitos começos são preciosíssimos. / Mas breve é o começo de um livro ____ mantém o começo prosseguindo. / Quando este se prolonga, um livro seguinte se inicia". Quem lê, vai elevando os olhos para uma cúpula por onde se dispõem as diferentes figuras do universo llansoliano - Témia, Eckhart, Ana e Myriam, João da Cruz, Prunus Triloba, Spinoza, Bach, Rilke, Vergílio Ferreira, Dom Arbusto, Elvira, o cão Jade ou Trova, o Literatura, o Arrábido - num "estético convívio" com as diferentes formas da linguagem. O percurso deste novo livro faz-se no tempo e no espaço, porque o que nos é dito em cada uma das 365 estâncias (dias) insere-se em lugares (páginas) que respiram ou branco ou imagem - os desenhos de Ilda David', "com" os quais se faz a leitura do livro. MGL afirmava numa entrevista, em 1995 "Creio que é uma dádiva muito grande que se faz ao texto de um outro: construir-lhe silêncio à volta". Neste livro, os desenhos de Ilda David' parecem "dar a ver" esse silêncio que fala; abrem "clareiras de respiração" no caminho para uma "língua sem impostura" e celebram, com o texto, o contrato da "mútua não-anulação", da "liberdade de consciência" e do "dom poético". Texto e imagem dialogam um com o outro, sofrem mutações na leitura, e despertam no "legente" o desejo do encontro com esse desconhecido que o chama e atrai ("Procura a página que te fala"), que o sossega e perturba ("___ Do fim para o princípio lê-se de uma maneira; / Do princípio para o fim lê-se de outra."), que lhe mostra como o caminho da leitura se faz na atenção que não separa "ver e ler" ("Há uma leitura a fazer, na jarra e em todos os lugares / Da falha. Nesse caminho a descobrir que não finda, / O texto escreve-se nos olhos. A qualidade da imagem / Nua dispõe o real em consequência."; "Ver o que ainda se / Não conhece é uma rara particularidade / _____ que, por vezes, arrasa."). Se falamos em linhagens, quando pensamos em autores / textos que "convergem", também podemos ver linhagens e convergência nas linhas de um texto e nas de um desenho que o acompanha. Nessa "sobreimpressão" consolidam-se identidades, ainda que não se procure saber "quem sou" mas "quem me chama" ("escrever é aceitar que o chamamento, / Vindo de longe, transforma - Ninguém em cada um de / Nós -, à medida que se aproxima."). O texto chama a imagem, a imagem chama o texto, e cada um é um ser ímpar nesse elo ("Magníficos os espíritos / Que se cruzam sem espada / E com bondade. Grande / A generosidade / Que os habita."). O texto pensa, faz perguntas, e o desenho responde e lança novas questões, num eterno começo. Quem lê encontra-se num Lugar privilegiado - o de quem pode ver / ler a intensidade do "ambo texto-imagem". O texto de MGL e os desenhos de Ilda David' formam esse ambo, são figuras que "pertencem ao tronco de uma mesma vibração"".Etelvina Santos -
O Litoral do Mundo: contos do mal errante - Vol. II(XIV)"um certo receio vai ser uma longa etapa, muito trabalhosa e doce, com várias estações para o que eu acabo de referir; precisava de estar a par da experiência de Al Hallâj para que ele pudesse socorrer-nos com o método que, porventura, tivesse empregue, e nos considerasse uma luz remota provinda dele, e da parte de apreensão onde há luz; por que não concluir (entre limites) que Al Hallâj protege e assiste os carismas do desejo apaixonado?"Contos do Mal Erranteé como se fosse uma narrativa, ou mesmo um romance, que seria o movimento de uma escrita fragmentária. […] Tendo lido já (ou não) outros textos de Maria Gabriela Llansol, o leitor sabe ou virá, esperamos, a saber que este texto é parte de um universo. Podemos aliás usar - com grande informalidade, não para buscar qualquer caução científica, mas porque lidamos com o pensamento por figuras - uma metáfora cosmológica: este é um universo em expansão, não só em relação ao que pensamos como futuro, mas também em relação ao passado. Manuel Gusmão, excerto do Posfácio -
O Raio Sobre o Lápis"Va conclusão de que não há abismo, e que a infância não pára de desenvolver-se e crescer,é um novo princípio de realidade, de morte, de velhice:eu não deixo de viver no mundo interior e exterior das metamorfoses flutuantes; é já dia, mas a noite que conduz a esperança no pensamento, e sobre si própria, não acabou.Não acabou definitivamente;onde estará, protegendo-se da luz, o sapo que brilha?Eu tenho a intuição, Aramis, de que os monstros são as tentativas mais puras do Universo."Olha-os, e não os mates."" -
Finita«Finita» é [...] a narrativa dos próprios inconfortos da autora, do seu deslumbramento, do desejo que na sua própria vida o poeta e o ladrão façam a obra prometida, de que o seu texto (no caso vertente, «A Restante Vida») seja obra do mútuo e factor deste. […] Se não temesse ser mal compreendido, eu diria que «Finita» é uma espécie de «correio do coração» espinozista: um Mestre Eckhart que tivesse inspirado um Espinoza, tocado pelos fulgores de Hamman. (posfácio, excertos) -
Os Cantores de Leitura«Pensei primeiro que este livro deveria ter quatro partes. Mas verifiquei depois que um fluxo contínuo lhe unificava as partes - que acorriam, afinal, umas para as outras. A minha nostalgia de "Amigo e Amiga" era evidente e o texto prosseguindo me pedia que conservasse, ao menos, um vestígio estrutural.No primeiro instante, no livro presente, eu tinha chamado aos fragmentos partículas, duplos, contextos. Nas páginas do início, eu deixei ainda ficar este encadeamento. Mas rapidamente compreendi que não se deixa assim, de um dia para o outro, um Curso de Silêncio, e que "Os Cantores de Leitura" transportavam ainda um pouco da minha nostalgia. Ou muito. Para a ir desvanecendo sempre, mas suavemente, conservei do Curso referido um modo de prosseguir que consistia em, das últimas palavras, ou palavra, de um bloco de texto, fazer o título do fragmento ulterior.» -
Livro de Horas: um arco singular - Vol. IIUma palavra ainda sobre o título encontrado para este segundo volume: o arco singular que nele se traça (sugerido pela leitura de Rilke) é múltiplo, e será decisivo para o resto da vida e da escrita de Maria Gabriela Llansol. Esse arco vai do entusiasmo inicial da experiência cooperativa de trabalho e ensino à desilusão final dessa vivência, tão típica de uma época de ideais alternativos e de contradições. É o arco da tensão crescente entre as imposições da sobrevivência e a sobre vida que só a escrita demais dois livros pode trazer, os que ocupam grande parte destes cadernos e deste período (A Restante Vida e Na Casa de Julho e Agosto). É o arco que vai da matéria medieval, e fascinante, do universo de beguinas, cátaros, gnósticos e alquimistas à descoberta da escrita e da existência de outras mulheres, escritoras do mesmo século XX, e grandes revelações, como Virginia Woolf e Katherine Mansfield. É, em termos de quotidiano estrito, o arco que vai da saída de Lovaina e do seu mundo mais cosmopolita à aparente felicidade da vida mais tranquila na casa de Jodoigne (que evoca vagamente a da infância, e por isso é objecto de tanta atenção) e ao anúncio da saída para o isolamento ainda maior de Herbais, que proporcionará finalmente uma existência quase exclusivamente preenchida pela escrita. O arco singular que este livro dá a ver é, enfim, o de uma linha parabólica sempre bidireccional e tensa, com um vórtice em cima e outro em baixo, entre os quais se desenrola o percurso de um ser de escrita que, como dirão mais tarde as últimas palavras de O Senhor de Herbais, sendo como poucos singular, nunca seria uma singularidade vã.» -
Livro de Horas: o azul imperfeito (Pessoa em Llansol) - Vol. VO Livro de Horas V , que se insere na série dos livros já editados com o mesmo título, resultantes da transcrição dos cadernos manuscritos inéditos de M. G. Llansol, reveste-se de um interesse particular, uma vez que, continuando a respeitar a ordem cronológica dos manuscritos, como em livros anteriores, este volume se orienta para a construção de uma figura maior na obra de Llansol - a figura de Aossê ou AOSSEP, anagrama de Pessoa, que resulta da leitura e escrita que Llansol fez do poeta Fernando Pessoa na sua obra, ao longo de toda a sua vida literária. São cerca de trinta anos de escrita, muitas vezes diária, com vista à transformação e reconstrução da figura do poeta Fernando Pessoa, figura maior da cultura portuguesa, e aquela que mais tempo convive com Llansol. Projectada em muitas centenas de páginas manuscritas, a figura de Pessoa-Aossê, presente em metade dos livros publicados de Llansol (em 12 dos 24 publicados), continua, assim, ainda hoje largamente desconhecida no que se refere ao amplo «projecto pessoano» de M. G. Llansol. Este Livro de Horas V resulta do levantamento exaustivo, selecção, ordenação cronológica e transcrição da totalidade dos manuscritos que, não tendo entrado em livro, permanecem ainda inéditos. A edição deste volume é de grande relevância não só pelo que acrescenta e clarifica da obra de Llansol, mas também pelo que pode acrescentar e trazer de novo ao universo dos estudos pessoanos. E parece particularmente pertinente publicá-lo neste ano de 2015, ano das comemorações dos 100 anos de «Orpheu» e também dos 80 anos da morte de Fernando Pessoa. -
Geografia dos Rebeldes: o livro das comunidades - Vol. I"«O Livro das Comunidades», publicado originalmente em 1977 pelas Afrontamento, é visto pela própria Autora como «o livro- fonte» de toda a sua Obra.Com ele se inicia uma primeira trilogia - «Geografia de Rebeldes» - e um percurso que levaria Maria Gabriela Llansol a convocar para os seus livros, nessa primeira fase da sua Obra, um grande número de figuras que lhe permitiriam fazer uma leitura original e única da história da cultura europeia entre a Idade Média (místicos e beguinas, hereges e iconoclastas de vária proveniência) e o nosso próprio tempo (com a revisitação e reinterpretação de uma figura como a de Fernando Pessoa, objecto do último grande livro de inéditos saído na Assírio & Alvim em 2015, «O Azul Imperfeito»).O sentido inovador deste livro-chave é dado pela autora numa carta- entrevista de 1980, onde escreve: «Quando acabei "O Livro das Comunidades", reconheci a marca resultante desse encontro; o mesmo sucede quando abrimos as portas das sementes e a luz que sempre lá esteve nos indica a hora. Não se trata aqui de secretar mundo imaginário identificado com a irrealidade. A imaginação a que me refiro faz conhecer. É a criação de um tecido de singularidades».A reedição d'«O Livro das Comunidades» pretende trazer de volta essa singularidade e assinalar, em 2017, no âmbito de outras iniciativas que o Espaço Llansol levará a cabo, o início quase absoluto desta Obra. Para marcar a diferença na reedição deste livro simbólico de Maria Gabriela Llansol (que neste momento se encontra esgotado), prevê-se a inclusão de um extratexto com imagens alusivas ao universo das figuras principais da linhagem da «Geografia de Rebeldes»: João da Cruz e Ana de Peñalosa, o místico Mestre Eckhart, o «teólogo da revolução» Thomas Müntzer e Nietzsche, entre outras."João Barrento -
Livro de Horas: Herbais foi de silêncio - Vol. VICom este sexto Livro de Horas chega ao fim uma fase longa e decisiva na vida e na escrita de Maria Gabriela Llansol: a dos vinte anos de exílio (exterior e interior) em vários lugares da Bélgica, que haveriam de marcar indelevelmente toda a sua Obra a partir de O Livro das Comunidades. Documentam-se aqui os quase cinco anos finais desse exílio (e ainda os meses que se seguem, no período transitório do Mucifal, antes da fixação em Colares, uma fase que prolongaria novos filões de escrita trazidos de Herbais, nomeadamente os ligados a Uriel da Costa e Hölderlin). O tempo de Herbais seria, diferentemente do de Lovaina e de Jodoigne (os anos de 1965 a meados de 1980, que os Livros de Horas I a III documentam),um tempo em suspenso, a certa altura dominado pela incerteza, e a ansiedade, do regresso a Portugal e dos livros à espera de editor, e ao mesmo tempo revelador de uma incontrolável obsessão de escrita e de uma imaginação figural orientada para os vários livros e projectos que dariam frutos depois do regresso. Este será, de todos os Livros de Horas já publicados, aquele que melhor se poderá designar de livro-radiografia de uma época: do «silêncio de Herbais», das dobras do real que nesses anos foram «apurando esse silêncio », emergiram, límpidas no seu mistério, como sempre em Llansol, múltiplas vozes deste Texto. -
Ardente Texto JoshuaA primeira história conta que, desde sempre, Teresa Martin quis entrar no Carmelo de Lisieux. Que, aos quinze anos, de facto, entrou, e aí morrerá aos vinte e quatro anos, de tuberculose. É a primeira história a súmula biográfica. A segunda história chamou-lhe Teresinha do Menino Jesus, colocou-lhe um ramo de rosas nas mãos, uma coroa de rosas na cabeça, canonizou-a e, há meses, fez dela Doutora da Igreja a terceira, depois de Catarina de Sena e de Teresa de Ávila. Esta é a história institucional, a grande, e a sua súmula heróica. A terceira história contou-a ela. Em vários poemas, peças de teatro conventuais e textos autobiográficos.Sobretudo no manuscrito C, como é conhecido. ( ) Este livro é a quarta história. Conhece a biografia, e passa adiante. Sabe da heroína, e não lhe interessa. Admira a crente sem desposar o seu movimento. Confronta a arte de viver da amorosa com a exigência da ressurreição dos corpos, última e definitiva aspiração do texto ardente. Subjacente ao Deus sive natura que o move, o texto afirma que há um Amor sive legens para o entender. O percurso de um corpo como súmula da sua potência de agir.Maria Gabriela Llansol
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O Príncipe da Democracia - Uma Biografia de Francisco Lucas PiresNenhuma outra figura foi intelectualmente tão relevante para a afirmação da direita liberal em Portugal como Francisco Lucas Pires. Forjado numa família que reunia formação clássica e espírito de liberdade, tornou-se um constitucionalista inovador, um jurista criativo, um político de dimensão intelectual rara à escala nacional e europeia – e, acima de tudo, um cidadão inconformado com o destino de Portugal.Em O Príncipe da Democracia, Nuno Gonçalo Poças reconstitui o percurso e as ideias deste homem invulgar, cujo legado permanece em grande parte por cumprir, e passa em revista os seus sucessos e fracassos. O resultado é um livro que, graças à absoluta contemporaneidade do pensamento do biografado, nos ajuda a compreender as grandes questões que o país e a Europa continuam a enfrentar, mostrando-nos, ao mesmo tempo, uma elegância política difícil de conceber quando olhamos hoje à nossa volta.Mais do que um retrato elucidativo de Lucas Pires, que partiu precocemente aos 53 anos, este é um documento fundamental para responder aos desafios do futuro, numa altura em que o 25 de Abril completa meio século. -
A DesobedienteA dor e o abandono chegaram cedo à vida de Teresinha, a filha mais velha de um dos mais prestigiados médicos da capital e de uma mulher livre e corajosa, descendente dos marqueses de Alorna, que nas ruas e nos melhores salões de Lisboa rivalizava em encanto com Natália Correia. A menina que haveria de ser poetisa vê a morte de perto quando ainda mal sabe andar, sobrevive às depressões da mãe, chegando mesmo a comer uma carta para a proteger. É dura e injustamente castigada e as cicatrizes hão de ficar visíveis toda a vida, de tal modo que a infância e a adolescência de Maria Teresa Horta explicam quase todas as opções que tomou. Sobreviver ao difícil divórcio dos pais, duas figuras incomuns, com as quais estabeleceu relações impressionantes de tão complexas, foi apenas uma etapa.Mas quanto deste sofrimento a leva à descoberta da poesia? E quanto está na origem da voz ativista de uma jovem que há de ser uma d’As Três Marias, as autoras das famosas «Novas Cartas Portuguesas», e protagonistas do último caso de perseguição a escritores em Portugal, que recebeu apoio internacional de mulheres como Simone de Beauvoir e Marguerite Duras? A insubmissa, que se envolve por acaso com o PCP e mantém intensa atividade política no pré e no pós-25 de Abril; a poetisa, a mãe, a mulher que constrói um amor desmedido por Luís de Barros; a grande escritora a quem os prémios e condecorações chegaram já tarde (ainda que, em alguns casos, a tempo de serem recusados), entre outras facetas, é a Maria Teresa Horta que Patrícia Reis, romancista e biógrafa experimentada, soube escrever e dar a conhecer, nesta biografia, com a destreza e a sensibilidade que a distinguem. -
Emílio Rui VilarMemórias do país da ditadura e do alvor da democracia em Portugal. A vida de Emílio Rui Vilar atravessou as principais mudanças da segunda metade do século XX. Contado na primeira pessoa, um percurso fascinante pelo fim do regime de Salazar e Caetano e pela revolução de Abril.Transcrevendo entrevistas realizadas ao longo de vários meses, este livro recolhe o relato na primeira pessoa de uma trajetória que percorreu o início da contestação ao Estado Novo no meio universitário, a Guerra Colonial, a criação da SEDES, o fracasso da “primavera marcelista” e os primeiros anos do novo regime democrático saído do 25 de Abril, onde Emílio Rui Vilar desempenhou funções governativas nos primeiros três Governos Provisórios e no Primeiro Governo Constitucional. No ano em que se celebram cinco décadas de democracia em Portugal, este livro é um importante testemunho sobre dois regimes, sobre o fim de um e o nascimento de outro. -
Oriente PróximoCom a atual guerra em Gaza, este livro, Oriente Próximo ganhou uma premente atualidade. A autora, a maior especialista portuguesa sobre o assunto, aborda o problema não do ponto de vista geral, mas a partir da vida concreta das pessoas judeus, árabes e outras nacionalidades que habitam o território da Palestina. Daí decorre que o livro se torna de leitura fascinante, como quem lê um romance.Nunca se publicou nada em Portugal com tão grande qualidade. -
Savimbi - Um homem no Seu MartírioSavimbi foi alvo de uma longa e destrutiva campanha de propaganda, desinformação e acções encobertas de segurança com o objectivo de o desacreditar e isolar. Se não aceitasse o exílio ou a sujeição, como foi o objectivo falhado dessa campanha, o fim último era matá-lo, como aconteceu: premeditadamente! Para que a sua «morte em combate» não suscitasse empatia, foi como um chefe terrorista da laia de Bin Laden que a sua morte foi apresentada – artifício da propaganda que tirou partido da memória emocional recente dos atentados da Al Qaeda, na América. Julgado com honestidade, Savimbi nunca foi o «bandido» por que o fizeram passar. O manifesto apreço que personalidades de indiscutível clareza moral, como Mandela, tiveram por ele prova-o. O MPLA elegeu-o como adversário temido e quis apagá-lo do seu caminho! Não pelos crimes a que o associaram. O que o MPLA e o seu regime temiam eram as suas qualidades e carisma, a sua representatividade política e o prestígio externo que granjeara. Como outros grandes da História, Savimbi também tinha defeitos e cometia erros. Mas no deve e haver as suas qualidades eram preponderantes." -
Na Cabeça de MontenegroLuís Montenegro, o persistente.O cargo de líder parlamentar, no período da troika, deu-lhe o estatuto de herdeiro do passismo. Mas as relações com Passos Coelho arrefeceram e o legado que agora persegue é outro e mais antigo. Quem o conhece bem diz que Montenegro é um fiel intérprete da velha tradição do PPD, o partido dos baronatos do Norte. Recusou por três vezes ser governante e por duas vezes foi derrotado em autárquicas. Já fez e desfez alianças, esteve politicamente morto e ressuscitou. Depois de algumas falsas partidas chegou à liderança. Mas tudo tem um preço e é o próprio a admitir que se questiona com frequência: será que vale a pena? -
Na Cabeça de VenturaAndré Ventura, o fura-vidas.Esta é a história de uma espécie de Fausto português, que foi trocando aquilo em que acreditava por tudo o que satisfizesse a sua ambição. André Ventura foi um fura-vidas. A persona mediática que criou nasceu na CMTV como comentador de futebol. Na adolescência convertera-se ao catolicismo, a ponto de se tornar um fundamentalista religioso. Depois de ganhar visibilidade televisiva soube pô-la ao serviço da sua ambição de notoriedade. Passou pelo PSD e foi como candidato do PSD que descobriu que havia um mercado eleitoral populista e xenófobo à espera de alguém que viesse representá-lo em voz alta. Assim nasceu o Chega. -
Contra toda a Esperança - MemóriasO livro de memórias de Nadejda Mandelstam começa, ao jeito das narrativas épicas, in media res, com a frase: «Depois de dar uma bofetada a Aleksei Tolstói, O. M. regressou imediatamente a Moscovo.» Os 84 capítulos que se seguem são uma tentativa de responder a uma das perguntas mais pertinentes da história da literatura russa do século XX: por que razão foi preso Ossip Mandelstam na fatídica noite de 1 de Maio de 1934, pouco depois do seu regresso de Moscovo? O presente volume de memórias de Nadejda Mandelstam cobre, assim, um arco temporal que medeia entre a primeira detenção do marido e a sua morte, ou os rumores sobre ela, num campo de trânsito próximo de Vladivostok, algures no Inverno de 1938. Contra toda a Esperançaoferece um roteiro literário e biográfico dos últimos quatro anos de vida de um dos maiores poetas do século XX. Contudo, é mais do que uma narrativa memorialística ou biográfica, e a sua autora é mais do que a viúva mítica, que memorizou a obra proibida do poeta perseguido, conseguindo dessa forma preservar toda uma tradição literária. Na sua acusação devastadora ao sistema político soviético, a obra de Nadejda Mandelstam é apenas igualada por O Arquipélago Gulag. O seu método de composição singular, e a prosa desapaixonada com que a autora sonda o absurdo da existência humana, na esteira de Dostoievski ou de Platónov, fazem de Contra toda a Esperança uma das obras maiores da literatura russa do século XX.