Vida a Crédito — Arte Contemporânea e Capitalismo Financeiro
«Arte contemporânea» e «capitalismo financeiro»: se a primeira das duas designações tomará apenas o significado de índice histórico (pois interrogá-la em si mesma motivaria um outro livro), já a segunda será objecto de um prolongado exame(religioso e metafísico). Com efeito, trata-se sobretudo de tornar inteligível o modo como, na era «contemporânea» da história da arte (sobretudo a partir dos anos setenta do século passado), a criação artística começou a comprometer-se com a financeirização da economia (e o predomínio da finança coincide, precisamente, com o advento da dita era). Entre arte e capitalismo, à partida, tudo parece ser motivo de distinção e mesmo de antagonismo: se a primeira se define pela prática de um dom, o segundo rege-se pela apropriação da mais-valia. E se de um lado advém a partilha de uma dádiva, do outro é-nos imposta uma dívida. Ora, é todavia a uma convergência entre capital financeiro e parte significativa da «arte contemporânea» aquilo a que assistimos hoje — a um tal ponto que, pela primeira vez na história, é o próprio ser da arte que é atingido. Daí a necessidade, a urgência deste livro.
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Uma palavra, ainda, sobre o título: Vida a Crédito. Este apareceu enquanto escrevia o segundo capítulo e, sobretudo, o seu décimo segundo parágrafo. De súbito, apercebi-me de que invertia um título de Céline: Mort à crédit, fazendo ressoar a extrema miséria que grassava no seio frenético de uma certa ideologia do progresso (no caso do romance céliniano, no âmago de uma época que se auto-intitulara Belle — mas que iria desvanecer-se com a deflagração da Primeira Guerra Mundial). Se Céline sugere que a própria morte passara a ser, também ela, objecto de crédito, o presente título procura assinalar que é a vida, na sua totalidade e, mais exactamente, o tempo humano que se encontra expropriado pelo capital financeiro.
[Tomás Maia]
| Editora | Documenta |
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| Editora | Documenta |
| Negar Chronopost e Cobrança | Não |
| Autores | Tomás Maia |
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Assombra - Ensaio Sobre a Origem da Imagem«Nunca, como agora, se tornou tão urgente pensar a origem da imagem, na chamada civilização da imagem (onde o Ocidente teria entrado recentemente, como se ela não fosse, a imagem, a própria essência do cristianismo), porque nunca, como agora, se produziram e reproduziram tantas imagens na proporção inversa da rasura da dimensão originária de cada uma: há cada vez mais imagens para o dizer ainda esquematicamente: mais coisas apegadas à sua própria aparência, e há cada vez menos imagens: menos coisas que fazem aparição (ou menos coisas que assombram, pois será a possibilidade de assombrar que assinala para mim, como porventura já se compreendeu, a origem da imagem).» Tomás Maia -
O Olho Divino: Beckett e o cinema seguido de Filme, Samuel BeckettE se a nossa história - toda a história humana - narrasse uma perseguição, perseguição imparável que exprime uma busca íntima? E se a história humana fosse primeiramente determinada pela nossa condição de caçadores, os homens perseguindo-se a si mesmos através e à custa de outros homens? E - sobretudo - se perseguir Deus não fosse outra coisa senão a autoperseguição do eu que se quis e quer identificar de vez? Então, talvez compreendêssemos que o problema não está no facto de perseguir, mas na perseguição de uma identidade plena ou definitiva causando a morte que nos devasta colectivamente - imemorialmente. Se começarmos por aceitar a «ausência de Deus» - e de todos os seus sucedâneos -, compreenderemos que não há um sujeito que se persegue, porque a «fuga» dos homens é, somente, a do tempo: é a abertura que precede qualquer «sujeito». O curso da história só mudará decisivamente quando interrompermos, em nós mesmos, a relação entre a presa indefesa e o predador ou o guerreiro invencível. São estas as hipóteses de fundo deste livro. Todavia, as páginas seguintes acompanham uma única obra partindo deste princípio: o cinema é essencialmente uma busca, e nesta confunde se tanto a procura que visa deter o tempo (e é a autoperseguição) como aquela que seria a fuga do próprio tempo (e é a perseguição de um outro que nos precede e nos sucede infinitamente). […] Beckett vai mostrar-nos assim não só a verdade da autoperseguição, como também a possibilidade de um cinema - e, mesmo, a possibilidade do cinema - que não cede à ilusão mortífera dos caçadores. Um cinema que simplesmente dá a ver aquilo mesmo que faz o cinema: esse olho que, desprovido de qualquer vontade subjectiva, de qualquer tempo próprio ou desejo mortífero, perseguirá não um Sujeito, mas aquilo que o precede: o nascimento do visível. E se esse olho exercerá sempre um poder fascinante sobre o espectador, um poder que retoma e renova o fascínio causado pelo olhar dos primeiros ídolos (isto é, das primeiras representações de mortos), então vou dar-lhe o nome de olho divino . [Tomás Maia] -
PoemaUma peça que procura mostrar o gesto criador, ou poiético. Poema (para uma mulher e cerca de 20 caminhantes, distribuídos equitativamente por dois grupos; duração aproximada: entre 20 a 30 minutos; local: cisterna do Convento de São Francisco, Lisboa) [sinopse] Uma peça que procura mostrar o gesto criador, ou poiético: daí o seu título, Poema, que não designa aqui uma composição literária nem tão-pouco escrita, mas toda e qualquer coisa que resulta da poiesis. A apresentação visual, aliás, não fará recurso à palavra, sendo apenas inicialmente pontuada por uma elementar percussão (utilizando a terra como instrumento de ressonância, e obedecendo a um ritmo irregular). A poiesis é apresentada num duplo movimento, de fluxo e de refluxo, descendente e ascendente, numa velada revisitação do mito de Orfeu — mas retirando ao mito a figura masculina (e, portanto, qualquer heroísmo) e transformando Eurídice na própria poesia que, diferentemente dos mortos, se eleva acima do mundo subterrâneo. [Tomás Maia] São mortos que descem para o abismo. São amorfos, sem cor, nada têm senão o seu próprio olhar, mas voltado para baixo. O passo é incerto, um pouco desajeitado. Onda informe que avança segundo a necessidade, segundo a gravidade. Mais do que caminharem, inconscientemente caem, precipitam-se, inexoravelmente são arrastados, com regularidade, para um não-lugar, para o nada. [Federico Ferrari] Desaparece a ressonância do som. Desaparece o estertor que tocava o corpo da parede da cisterna até ao nosso. Está escuro. Está silêncio. Há uma pausa. Continuamos sem espaço e sem tempo. Então, a luz. A luz reabre um espaço. O espaço forma-se. Cria-se diante de nós. Procuramos, no âmago do desconhecido, um nome para o dizer. Nomear. É um novo antigo. A luz traz o antigo, muito antigo, até ao instante. Só há instante. Aquele. [Isabel Santiago]
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Arte, Religião e Imagens em Évora no tempo do Arcebispo D. Teodósio de Bragança, 1578-1601D. Teotónio de Bragança (1530-1602), Arcebispo de Évora entre 1578 e 1602, foi um grande mecenas das artes sob signo do Concílio de Trento. Fundou o Mosteiro de Scala Coeli da Cartuxa, custeou obras relevantes na Sé e em muitas paroquiais da Arquidiocese, e fez encomendas em Lisboa, Madrid, Roma e Florença para enriquecer esses espaços. Desenvolveu um novo tipo de arquitectura, ser- vindo-se de artistas de formação romana como Nicolau de Frias e Pero Vaz Pereira. Seguiu com inovação um modelo «reformado» de igrejas-auditório de novo tipo com decoração integral de interiores, espécie de ars senza tempo pensada para o caso alentejano, onde pintura a fresco, stucco, azulejo, talha, imaginária, esgrafito e outras artes se irmanam. Seguiu as orientações tridentinas de revitalização das sacrae imagines e enriqueceu-as com novos temas iconográficos. Recuperou lugares de culto matricial paleo-cristão como atestado de antiguidade legitimadora, seguindo os princípios de ‘restauro storico’ de Cesare Baronio; velhos cultos emergem então, caso de São Manços, São Jordão, São Brissos, Santa Comba, São Torpes e outros alegadamente eborenses. A arte que nasce em Évora no fim do século XVI, sob signo da Contra-Maniera, atinge assim um brilho que rivaliza com os anos do reinado de D. João III e do humanista André de Resende. O livro reflecte sobre o sentido profundo da sociedade de Évora do final de Quinhentos, nas suas misérias e grandezas. -
A Antropologia da ArteRobert Layton proporciona-nos uma leitura agradável e autorizada, como introdução à riqueza e diversidade das formas de arte nas sociedades não ocidentais. Equaciona os problemas da avaliação estética através da diversidade de culturas, os variados usos da arte e a questão fundamental que é a arte nas sociedades em evolução, dos reinos tradicionais da África Ocidental (com o seu artesanato específico no uso de metais preciosos) aos caçadores-recolectores australianos (com as suas pinturas de areia e de ornamentação corporal). As formas aqui debatidas incluem as pinturas em casca de árvore, areia ou rocha, as esculturas de marfim, osso e madeira, a fundição de latão, as máscaras bem como a decoração das casas e ornamentações corporais. A compreensão do significado destas diversas produções exige a compreensão dos contextos culturais que as envolvem. Layton relaciona as produções artísticas particulares com os rituais, os mitos e o poder. -
A Invenção da Moda - As Teorias, os Estilistas, a HistóriaEstá disponível em pdf a Introdução. Arte & ComunicaçãoArte e Comunicação representamdois conceitos inseparáveis.Deste modo, reúnem-se na mesma colecçãoobras que abordam a Estética em geral,as diferentes artes em particular,os aspectos sociológicos e políticos da Arte, assim como a Comunicação Social e os meios que ela utiliza.Tirania do presente, para uns, linguagem por direito próprio, para outros, a moda desempenha um papel importante na sociedade, sendo por isso objecto de estudo de diversas disciplinas.Esta obra traça a complexa teia de causas na origem e difusão da moda, Entre elas contam-se o aparecimento de uma sociedade aberta, o cosmopolitismo e uma nova atitude mental que privilegia o gosto pelo que é novo. -
Laocoonte - Ou Sobre as Fronteiras da Pintura e PoesiaLaocoonte ou sobre as Fronteiras da Pintura e Poesia (1766), obra fundadora da estética moderna, moldou desde a sua publicação debates em torno da crítica e da teoria da percepção, influenciando áreas como a teoria da literatura e a história de arte. Estudo sobre o famoso grupo escultórico, provavelmente do século II a.C. - que retrata o suplício do sacerdote troiano e dos seus filhos, episódio narrado por Vergílio na Eneida -, Laocoonte foi um dos primeiros ensaios a abordar a natureza da poesia, como arte do tempo, e da pintura, como arte do espaço, traçando os seus limites, diferenças e domínios específicos, ao mesmo tempo que operou uma verdadeira libertação do ut pictura poesis horaciano.Laocoonte, numa prosa eloquente e de finíssima ironia, continua a suscitar vivas reflexões sobre o sentido da experiência artística. -
Desenhos de Mestres Europeus em Coleções Portuguesas II - Itália e PortugalOs tesouros escondidos e pouco apreciados dos desenhos antigos de mestres, em coleções públicas e privadas portuguesas, foram apresentados ao público europeu em 2000-2001 com a exposição Desenhos dos Mestres Europeus em Coleções Portuguesas, organizada pelo Centro Cultural de Belém (CCB), Lisboa, e realizada no Museu Fitzwilliam, Cambridge; no CCB; no Museu Nacional de Soares dos Reis, Porto (com versão reduzida exposta no Prado, em Madrid, em 2002). Passadas duas décadas, é tempo de dar a conhecer a uma nova geração a vitalidade da tradição de colecionar desenhos de antigos mestres em Portugal, prática que remonta ao início do século XVI, e que hoje é ainda mais vibrante do que em muitos outros países europeus. (...) a seleção inclui aquisições recentes feitas pelo Museu da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, incluindo obras de Carlo Maratti e Giovanni Battista Merano, além de um terceiro desenho de Polidoro da Caravaggio. Não existe melhor testemunho da vitalidade da tradição de colecionar e do contínuo interesse pelos desenhos dos Antigos Mestres em Portugal. -
Siza DesignUma extensa e pormenorizada abordagem à obra de design do arquiteto Álvaro Siza Vieira, desde as peças de mobiliário, de cerâmica, de tapeçaria ou de ourivesaria, até às luminárias, ferragens e acessórios para equipamentos, apresentando para cada uma das cerca de 150 peças selecionadas uma detalhada ficha técnica com identificação, descrição, materiais, empresa distribuidora e fotografias, e integrando ainda um conjunto de esquissos originais nunca publicados e uma entrevista exclusiva ao arquiteto.CoediçãoArteBooks DesignCoordenação Científica + EntrevistaJosé Manuel PedreirinhoDesign GráficoJoão Machado, Marta Machado -
Bonecos de Barcelos - Identidade, Tradição e Criação ArtísticaA cerâmica figurativa de Barcelos constitui uma das mais belas e intrigantes manifestações da cultura e da identidade portuguesas. Delirante, quase alucinada, parece confirmar a cada boneco, a cada esgar dos seus desorbitados olhos, a ideia segundo a qual as mãos dos artesãos das freguesias de Galegos São Martinho e Galegos Santa Maria possuem um misterioso poder demiúrgico, singular ao ponto de combinar as mais arreigadas manifestações de religiosidade com figuras de feição pagã, quase demoníacas.Se o galo de Barcelos se transformou há muito num dos mais incontestáveis ícones do nosso país, o gene criativo surgido com a figura tutelar de Rosa Ramalho tem sido contraído e mantido por sucessivas gerações das famílias Ramalho, Côta e Mistério, apenas para referir os expoentes máximos desta manifestação artística.Seja pelo seu exotismo excêntrico — ao mesmo tempo infantil, expressionista e monstruoso —, ou pela sua pura condição de arte, os bonecos de Barcelos têm atraído o interesse de inúmeros colecionadores ou de simples devotos daqueles mistérios. Foi também esse o caso dos arquitetos Alexandre Alves Costa e Sergio Fernandez, docentes da nossa Faculdade de Arquitetura e obreiros da coleção de 600 peças que em 2022 doaram ao Museu de História Natural e da Ciência da Universidade do Porto.A exposição que acolhemos no edifício-sede da reitoria e a produção deste catálogo, que doravante documentará o rigor e a riqueza daquela coleção, constituem, pois, um gesto de reconhecimento e de gratidão, mas também a manifestação de um compromisso: ao zelo, à dedicação, à confiança e à generosidade dos arquitetos Alexandre Alves Costa e Sergio Fernandez, retribuirá a Universidade do Porto com a firme determinação de tudo fazer para preservar e continuar a divulgar o extraordinário acervo que nos legaram.António de Sousa Pereira, Reitor da Universidade do PortoVários
