Quintas tem vindo a construir uma obra assente na rarefacção da imagem, onde o «escavar» é tão importante como o colocar ou o acrescentar camadas, na incerteza do destino da interpretação e num regresso ao gesto primeiro da pintura.
Na pintura de Paulo Quintas [...] não há figuração humana e a rarefacção da figura, em geral geométrica e abstracta, a dissolução ou erosão das formas nas superfícies pictóricas parecem ser marcas da sua obra – o que me leva a dizer que a pintura de Paulo Quintas é tocada pela índole da morte e da anulação. Tudo nela é da ordem da erosão, tudo tende a desaparecer e como que a desfazer-se na superfície da tela, tudo nela remete para a dissolução espacial.
[Sara Antónia Matos]
A designação da exposição impôs-se, assim, com uma clareza tão luminosa quanto cortante: «Todos os títulos estão errados», ou poderíamos dizer o seu contrário, todos os títulos estão certos. A intenção é propositadamente instalar uma espécie de desconforto com as afirmações, as nomeações, as sínteses, as grandes definições e os sistemas fechados: «Gosto de dizer uma coisa e o seu contrário. Os fragmentos estão cheios de identidade» (PQ).
[Isabel Carlos]
Gosto desta pintura, porque é verdadeira e corajosa. É directa, vem de dentro, de uma urgência de a fazer para a poder ver feita. [...]
Esta é a pintura de quem gostaria de se enterrar e deixar de ser (a vida do artista é a cova que ele vai cavando com os pés até desaparecer por completo na terra, enquanto vai revelando ao Mundo as «verdades místicas»). É a Obra de alguém que sabe que o preço é altíssimo: de alguém que paga as coisas (e a vida) com a própria alma.
O pintor faz a pintura que parece que se faz a si mesma. Faz com que ela se faça. Este catálogo foi publicado por ocasião da exposição Mare Æthiopicum, de Paulo Quintas, realizada na Giefarte entre 7 de Março de 2020 e 6 de Junho 2020. Depois da sua muito extensa e indispensável (heterodoxa!) antológica, Todos os Títulos estão Errados, na Cordoaria, Paulo Quintas expôs […] novos trabalhos que desenvolviam pressupostos de sempre; estes trabalhos, outros trabalhos, talvez todos um pouco mais do que pinturas, também espaços, geografias de imagens, «rotas marítimas» imprevisíveis ou descobertas; sintetizaria assim: há sempre muito pouco que ver, ou que «alimente» a visão, na pintura do autor. Digamos de outro modo, creio e estou mesmo certo de que só há um tema na pintura de Paulo Quintas: a amostragem ou revelação do seu processo. E, ao mesmo tempo, só há um tema não mostrado nem revelado nesta pintura: precisamente a exibição ou revelação do seu processo. […]O pintor faz a pintura que parece que se faz a si mesma. Faz com que ela se faça. Logo, faz (um pouco de) tudo, e quanto mais simples é o processo menos a pintura se «faz» — e Paulo Quintas aprecia «fazer pouco» e escolher procedimentos básicos. Aliás, se a pintura se faz como a volta do «mar largo» o pintor não faz praticamente nada. Certo e errado. […]O círculo, sem princípio nem fim, forma peculiar, portanto, faz esta pintura circular em torno de si mesma. E, no final, revela-se camada inédita, imprevisível. Mas um imprevisível escolhido entre muitos e muitas hipóteses. O pintor escolhe um tipo de imprevisibilidade. A escolha certa: escolher as modalidades da perda. Cada tela é uma «tela certa» com título «errado». É uma afirmação sólida e desfeita pela vontade do pintor. A matéria apaga-se. Fica a forma. Exacta. No final desaparece a hesitação. Nunca há hesitação.[Carlos Vidal]