A Sombra que Ilumina
Ensaio sobre a obra poética de António Franco Alexandre
Abordando temáticas como a oscilação, a metamorfose ou o devir na poesia de António Franco Alexandre, Ricardo Gil Soeiro compulsa um heteróclito conjunto de tópicos: da cinza ao fogo, da sombra ao sonho, do primado da matéria ao direito dos objectos, do abismo da pergunta à memória do enigma. Socorrendo‑se da reflexão teórica de autores como Bachelard, Merleau-Ponty, Deleuze ou Braidotti, o autor enceta ainda diálogo com outros escritores – Kafka, Walser, Calvino ou Ponge –, procurando assim contribuir para a criação de novas chaves de leitura da obra alexandrina.
«O sentido desmorona. A tal página incapturável foge por todos os lados. É dessa ruína, da magia de todos os destroços, que se ergue, dilacerada e imperfeita, uma frágil promessa de errância. O abismo da pergunta a que, por falta de palavras, chamamos poesia. António Franco Alexandre di-lo melhor, sussurrando, assim, a mais bela despedida: ‘digam que amei, na terrestre toalha, / o tosco amor do corpo. Digam / uma verdade, que o poema não existe. / Digam que arderam mãos, do poder que possui / o prazer de outro corpo. Digam, como sempre, / terra, água, colina. […] Digam que me conhecem, / assim mudado, a tinta permanente. […] Digam que usava estrelas nos cabelos, / podem crer.’»
| Editora | Tinta da China |
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| Editora | Tinta da China |
| Negar Chronopost e Cobrança | Não |
| Autores | Ricardo Gil Soeiro |
Poeta e ensaísta, Ricardo Gil Soeiro (n. 1981) aproxima-se da escrita como se de um alfabeto luminoso se tratasse, plasmado numa obra em que se entrelaçam, em mútua ressonância, poesia e ensaio. No domínio ensaístico tem vários livros publicados, entre os quais Gramática da Esperança (2009), Poéticas da Incompletude (2017) e Volúpia do Desastre (2019). Organizou o volume As Artes do Sentido (Relógio D’Água, 2017) e co-editou Paul Celan: Da Ética do Silêncio à Poética do Encontro (2014), Das Cinzas do Silêncio à Palavra do Fogo (2018) e O Nada virado do Avesso (2019). No domínio da poesia tem revelado um percurso singular que integra obras como Caligraphia do Espanto (2010), Labor Inquieto (2011) ou Da Vida das Marionetas (2012). Em 2012 veio a lume L’apprendista di enigmi, uma antologia poética traduzida para o italiano. Com Iminência do Encontro foi galardoado com o Prémio PEN Clube Português – Primeira Obra 2010. Com o livro A Sabedoria da Incerteza foi finalista do Prémio PEN de Ensaio 2016. Com A rosa de Paracelso foi finalista do Grande Prémio de Literatura DST 2018.
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A Sabedoria da Incerteza: imaginação literária e poética da incertezaPartindo do conceito de Sabedoria da Incerteza formulado por Milan Kundera no ensaio ?A herança depreciada de Cervantes? (in: A Arte do Romance ), o presente estudo visa reflectir sobre os diversos modos como a imaginação literária encerra uma poética da obrigação. Na óptica de Kundera, o fundador dos tempos modernos não terá sido somente Descartes, mas também Cervantes, na medida em que compreender ?com Cervantes o mundo como ambiguidade, ter de enfrentar, em vez de uma única verdade absoluta, um monte de verdades relativas que se contradizem (verdades incorporadas em ego imaginários chamados personagens), possuir pois como única certeza a sabedoria da incerteza, exige uma força não menos grande (do que a de Descartes).? Para além da incerteza que caracteriza a imaginação literária, é ainda possível nela surpreender aquilo que, na esteira de John Caputo, se poderia designar por Poética da obrigação, isto é, a capacidade exibida pela literatura de, através da sua renúncia a uma perspectiva única e à rigidez de verdades absolutas, se abrir à plural experiência da alteridade. É à luz desta dimensão ética que se procede à leitura das seguintes obras literárias, paradigmáticas dessa sabedoria da incerteza: Der Tod des Vergil (1945), de Hermann Broch; Elizabeth Costello (2003), de J. M. Coetzee; Água Viva (1973), de Clarice Lispector; Lisboaleipzig 1. O Encontro Inesperado do Diverso (1994), de Maria Gabriela Llansol; e Bartleby & Compañía (2000), de Enrique Vila-Matas. -
Espera VigilanteAo longo deste livro encontram-se alguns indícios que perspectivam uma necessidade que se situa para lá dos limites da matéria. Além do amor que permite por momentos iludir a morte, surgem algumas imagens que remetem para uma espera vigilante que vai muito para além do imediato e circunstancial. O "enigma", a "espera" e a "promessa" determinam um outro espaço que não se pode circunscrever às contingências do corpo ou da palavra e para o qual se mantém aberta a possibilidade. -
O Enigma Claro da Matéria: uma aproximação pós-humanista à poesia de Wisława SzymborskaElegendo como objecto de leitura as obras Paisagem com Grão de Areia (1998), Alguns Gostam de Poesia (2004) e Instante (2006), o presente ensaio visa examinar a poesia de Wislawa Szymborska (1923-2012) sob um ponto de vista pós-humanista.Partindo, numa primeira instância, de uma análise global do universo poético em que se ancora esta escrita, a presente reflexão procura demonstrar em que medida é possível vislumbrar na poética szymborskiana um posicionamento pós-humanista, revelando como as suas composições poéticas põem em cena o fim das fronteiras entre o humano e o resto, o não-humano. Haverá vida para além de nós, numa pedra? -
PalimpsestoO retraçar do traço, que nos diz da impossibilidade do pleno apagamento, é uma espécie de luto impossível. O sentido não tem fim. Porque no começo está a ruína, o sentido está sempre por vir. A sobrevivência do texto ulterior consuma-se através do sacrifício incompleto do texto precedente. A escrita, assombrada por um algures insituável, sobrevive por uma experiência aporética que nos magnetiza: essa invisibilidade visível inscrita no próprio traço, um resto espectral cujo frémito ainda estremece. Uma presença que eclode a partir da ausência e um desvelar-se que permanece velado. A hipótese do sentido, a esperança no encontro, emerge da dobra que se configura entre apagamento e reaparição, entre caos opaco e júbilo perplexo, atando e desatando o laço incomensurável que, precariamente, reconcilia vida e morte. -
Pirilampos - Política das SobrevivênciasUm pirilampo e uma mão humana: o gesto luminoso e o ato de criação. Será a carcaça do inseto que se metamorfoseia, ou o corpo do ser que se transhumaniza? Pirilampos é a estreia poética de Ricardo Gil Soeiro na Assírio & Alvim, um livro que almeja responder à questão fundamental: Quem foi que deixou os pirilampos acesos? -
Acariciar a mais Longínqua das EstrelasMúsico da palavra, artesão de sílabas depuradas até ao “sangue dos espelhos”, Eugénio de Andrade fitou o coração do sol e regressou, incólume, para declamar o nosso sobressalto. Estelar e extática, rugosa como as mãos que a fizeram nascer, a leveza do labor de Eugénio sempre se alimentou de uma contínua decantação, cerzindo ávidos versos de uma rara beleza. Como se, de súbito, o mundo nascesse pela primeira vez. É para esse horizonte messiânico, dédalo de perpétuo rejuvenescimento ontológico e renovação do canto, que aponta a magistral Musica mirabilis eugeniana: “Talvez a ternura/crepite no pulso,/talvez o vento/súbito se levante,/talvez a palavra/atinja o seu cume,/talvez um segredo/chegue ainda a tempo//– e desperte o lume.”
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Para Tão Curtos Amores, Tão Longa VidaNuma época e num país como o nosso, em que se regista um número muito elevado de divórcios, e em que muitos casais preferem «viver juntos» a casar-se, dando origem nas estatísticas a muitas crianças nascidas «fora do casamento», nesta época e neste país a pergunta mais próxima da realidade não é por que duram tão pouco tantos casamentos, mas antes: Por que é que há casamentos que duram até à morte dos cônjuges? Qual é o segredo? Há um segredo nisso? Este novo livro de Daniel Sampaio, que traz o título tão evocativo: Para Tão Curtos Amores, Tão Longa Vida, discute as relações afetivas breves e as prolongadas, a monogamia e a infidelidade, a importância da relação precoce com os pais e as vicissitudes do amor. Combinando dois estilos, o ficcional e o ensaístico, que domina na perfeição, o autor traz perante os nossos olhos, de modo muito transparente e sem preconceitos, tão abundantes nestas matérias, os problemas e dificuldades dos casais no mundo de hoje, as suas vitórias e derrotas na luta permanente para manterem viva a sua união.Um livro para todos nós porque (quase) todos nós, mais tarde ou mais cedo, passamos por isso. -
Sobre as MulheresSobre as Mulheres é uma amostra substancial da escrita de Susan Sontag em torno da questão da mulher. Ao longo dos sete ensaios e entrevistas (e de uma troca pública de argumentos), são abordados relevantes temas, como os desafios e a humilhação que as mulheres enfrentam à medida que envelhecem, a relação entre a luta pela libertação das mulheres e a luta de classes, a beleza, o feminismo, o fascismo, o cinema. Ao fim de cinquenta anos – datam dos primeiros anos da década de 1970 –, estes textos não envelheceram nem perderam pertinência. E, no seu conjunto, revelam a curiosidade incansável, a precisão histórica, a solidez política e o repúdio por categorizações fáceis – em suma, a inimitável inteligência de Sontag em pleno exercício.«É um deleite observar a agilidade da mente seccionando através da flacidez do pensamento preguiçoso.» The Washington Post«Uma nova compilação de primeiros textos de Sontag sobre género, sexualidade e feminismo.» Kirkus Reviews -
A Vida na SelvaHá quem nasça para o romance ou para a poesia e se torne conhecido pelo seu trabalho literário; e quem chegue a esse ponto depois de percorrer um longo caminho de vida, atravessando os escolhos e a complexidade de uma profissão, ou de uma passagem pela política, ou de um reconhecimento público que não está ligado à literatura. Foi o caso de Álvaro Laborinho Lúcio, que publicou o seu primeiro e inesperado romance (O Chamador) em 2014.Desde então, em leituras públicas, festivais, conferências e textos com destinos vários, tem feito uma viagem de que guarda memórias, opiniões, interesses, perguntas e respostas, perplexidades e reconhecimentos. Estes textos são o primeiro resumo de uma vida com a literatura – e o testemunho de um homem comprometido com as suas paixões e o diálogo com os outros. O resultado é comovente e tão inesperado como foi a publicação do primeiro romance. -
O Infinito num JuncoA Invenção do livro na antiguidade e o nascer da sede dos livros.Este é um livro sobre a história dos livros. Uma narrativa desse artefacto fascinante que inventámos para que as palavras pudessem viajar no tempo e no espaço. É o relato do seu nascimento, da sua evolução e das suas muitas formas ao longo de mais de 30 séculos: livros de fumo, de pedra, de argila, de papiro, de seda, de pele, de árvore, de plástico e, agora, de plástico e luz.É também um livro de viagens, com escalas nos campos de batalha de Alexandre, o Grande, na Villa dos Papiros horas antes da erupção do Vesúvio, nos palácios de Cleópatra, na cena do homicídio de Hipátia, nas primeiras livrarias conhecidas, nas celas dos escribas, nas fogueiras onde arderam os livros proibidos, nos gulag, na biblioteca de Sarajevo e num labirinto subterrâneo em Oxford no ano 2000.Este livro é também uma história íntima entrelaçada com evocações literárias, experiências pessoais e histórias antigas que nunca perdem a relevância: Heródoto e os factos alternativos, Aristófanes e os processos judiciais contra humoristas, Tito Lívio e o fenómeno dos fãs, Sulpícia e a voz literária de mulheres.Mas acima de tudo, é uma entusiasmante aventura coletiva, protagonizada por milhares de personagens que, ao longo do tempo, tornaram o livro possível e o ajudaram a transformar-se e evoluir – contadores de histórias, escribas, ilustradores e iluminadores, tradutores, alfarrabistas, professores, sábios, espiões, freiras e monjes, rebeldes, escravos e aventureiros.É com fluência, curiosidade e um permanente sentido de assombro que Irene Vallejo relata as peripécias deste objeto inverosímil que mantém vivas as nossas ideias, descobertas e sonhos. E, ao fazê-lo, conta também a nossa história de leitores ávidos, de todo o mundo, que mantemos o livro vivo.Um dos melhores livros do ano segundo os jornais El Mundo,La Vanguardia e The New York Times(Espanha). -
O Anticrítico«O Anticrítico» é uma compilação dos ensaios de Diogo Vaz Pinto — textos de crítica literária, e não só —, escritos entre 2014 e 2023, incluindo alguns inéditos. «Não tenho conta para as vezes todas em que, para ir com a rábula insultuosa que me tecem, pegando uns onde outros deixaram, numa cooperativa de imbecis que, sinceramente, me comove, já me quiseram tirar a condição que vem de tudo o que faço. Mais difícil seria desmontar alguma coisa. Resta que, ou ignoram muito vermelhuscos, ou a ideia é revogar-me a carta, licença, prostrar-me na indigência de eu ser uma qualquer abominação, «Bicho», monstro que ligam com tudo o que é baixo, e mesmo assim paira sobre eles sem explicação. Um Chernobyl encarnado. Crítico não sou. Ou só pseudo. Videirinho e jornaleiro, pilha-galinhas e o mais que eu coso bem ao meu estuporado currículo. Pois seja, eu fico então gordo disso tudo. E viro-me do avesso. Sou o anticrítico, então! Roubando esta de Augusto de Campos sem pudor. Há muito que não me retiram do sentido a ideia de que o principal é cortar com a impostura disto tudo. A gloríola da mediocridade, o sentido gregário, essa ratada ficção ligando os «egozinhos de porta-aberta» do nosso meio literato.» -
Terra QueimadaEnsaio profético e demolidor, TERRA QUEIMADA (2022) expõe a forma como o complexo internético se tornou «motor implacável de vício, solidão, falsas esperanças, crueldade, psicose, endividamento, vida desbaratada, corrosão da memória e desintegração social». Nele, Jonathan Crary faz uma crítica radical da digitalização do mundo e denuncia realidades inegáveis: a incompatibilidade entre um planeta habitável e a economia consumista e técnica, a atomização provocada pelas redes sociais, a era digital como fase terminal do capitalismo planetário. «Se é possível um futuro habitável e comum no nosso planeta», conclui, «esse futuro será offline, dissociado dos sistemas e da actividade do capitalismo 24/7, que destroem o mundo». -
Mário Cesariny e Antonio Tabucchi - Cartas e outros TextosFernando Cabral Martins: «O surrealismo português já tinha atingido no final dos anos sessenta uma definição que tornava possível, de um ponto de vista exterior, descomprometido, fazer uma avaliação de conjunto.» Antonio Tabucchi veio a Portugal no rasto de um poeta: Fernando Pessoa, ou melhor Álvaro de Campos, de quem lera por acaso o poema «Tabacaria». Quis aprender a língua do autor do poema e para isso inscreveu-se na cadeira de Língua e Literatura Portuguesa na Universidade de Pisa, que então frequentava. O seu mestre foi uma professora especial, bela, inteligente e culta, Luciana Stegagno Picchio. Antonio quis conhecer o país onde se falava aquela língua e ao qual pertencia aquele poeta e, na Primavera de 1965, com o seu Fiat 500, chegou a Portugal. Aí conheceu uma portuguesa com quem falou de Pessoa, e com quem continuou a trocar correspondência até ao ano seguinte, quando se tornaram namorados, vindo depois a casar (1970). Mas até lá, veio amiúde a Portugal […] e começou a interessar-se pelo Surrealismo português, sobre o qual havia muito pouco material crítico, praticamente nada, em vista da sua futura tese de licenciatura. Conheceu então (1967) dois membros ilustres daquele movimento, dois grandes poetas, Alexandre O’Neill e Mário Cesariny de Vasconcelos, com quem passou muitas horas, primeiro para os entrevistar e depois, com sempre maior intimidade, já com laços de amizade, só pelo prazer de estarem juntos. [Maria José de Lancastre] Esta é a história de um desencontro. Cesariny, como o surrealismo, considerava a universidade um inimigo, e Tabucchi, para todos os efeitos, era em 1971 um universitário. Mesmo se, no caso dele, havia por parte do poeta o agrado de ver como a sua poesia e o seu lugar no surrealismo português eram reconhecidos — pela primeira vez — por um leitor com a distância crítica e a óbvia inteligência de Antonio Tabucchi. Aqui, nos textos que documentam o contacto directo entre ambos do final dos anos 60, pode ver-se uma ilustração do modo como a história do surrealismo foi sendo feita, com que ritmo e a partir de que posições. E que implica a consciência, por parte do poeta, da importância do sentido que a crítica atribui à História, capaz (ou não) de tornar o passado digno do presente, ou vice- -versa. E manifesta, por parte do jovem crítico italiano, a intuição da grandeza de um movimento que evoluía na sombra, num carceral jardim à beira-mar. [Fernando Cabral Martins]
