Giulio Romano A Terceira Maneira
A obra arquitectónica do pintor Giulio Romano transporta desde o início os sinais de conflito ideológico e marca a mudança para uma linguagem sem respeito e sem regras. Como acreditar nas verdades defendidas pelos condutores dos negócios da fé, quando dados à exibição do luxo que não escondia a luxúria, habituados à intriga no ambiente corrupto das práticas de todos os comércios? Esse tempo de crise originou tendências antagónicas no mundo das artes e um sentimento generalizado de inquietação.
Contradições internas saídas do individualismo no modo de encarar a dúvida, explicam o ecletismo e a diversidade de maneiras para enfrentar os caminhos da produção artística. A transgressão premeditada de regras clássicas como a simetria, organização perspéctica, proporcionalidade e sequências, passou a constituir programa pessoal de cada pintor ou arquitecto, prevalecendo a ambiguidade, o arbitrário e o gosto pela afirmação do profano contra o sagrado, do erotismo contra o discurso da moral pública.
Se as primeiras obras de Roma realizadas por Giulio Romano revelam já indícios da descrença nos enunciados formais do modo antigo, foi na produção para o duque de Mântua que melhor se exprimiu o seu génio irreverente, com recurso à transgressão sistemática dos códigos de receitas clássicas. Amante do desenho erótico, pintor de fantasias mitológicas em perspectivas dos mais estranhos ângulos, aplicou na concepção de palácios todas as artimanhas do fingimento, para iludir o sentido normal dos usos e ridicularizar a nobreza das formas construídas. O falso aparelho almofadado romano, porque executado em barro em vez de pedra, transformou-se em ciclópico. Taparam-se arcos e vãos, negando-lhes o sentido de passagem. Enrolaram-se as colunas, suspensas das paredes que deviam justificar. O código das receitas clássicas funcionou apenas como garantia do efeito transformador, referência para a compreensão dos erros. Não se pode considerar que o recuperado tratado de Vitrúvio constituísse um código de linguagem arquitectónica assente num conjunto coerente de regras. Mas a vontade de acreditar na existência de um sistema organizado de saberes, levou alguns intelectuais a acreditar que aquele testemunho do arquitecto de César abria caminho até à divina perfeição. O texto de Vitrúvio, mais precoce que o Império Romano organizado, não tinha uma tão grande ambição. Os primeiros humanistas dedicaram-se a procurar e interpretar quantos possíveis escritos e documentos pudessem existir e até a reescreve-los, para divulgar as suas reflexões filosóficas e científicas.
| Editora | Dafne Editora |
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| Editora | Dafne Editora |
| Negar Chronopost e Cobrança | Não |
| Autores | Domingos Tavares |
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Filippo Brunelleschi - O arquitectoO livro organiza os conteúdos de uma aula que tem por tema a figura e a obra arquitectónica de Brunelleschi. De acordo com aquele objectivo o trabalho não pretende constituir uma monografia de conteúdo biográfico do primeiro arquitecto do renascimento em Florença, antes procura levantar as condições e particularidades que fizeram emergir um novo conceito na arte de construir. No caso do primeiro momento do renascimento arquitectónico em Florença a figura de Brunelleschi impõe-se consensualmente como a do artista de primeiro plano que mobilizou o entusiasmo dos seus contemporâneos para os valores que os novos tempos vinham abrindo à consciência cívica, revolucionando por esses caminhos a ideia de arquitectura.É perceptível uma primeira tentação de desenvolver o assunto tratando as obras pela ordem cronológica da sua produção. Em Brunelleschi esse aspecto não é particularmente significativo. A sua actividade como arquitecto desenrolou-se ao longo de vinte e sete anos, entre os quarenta e dois e os sessenta e nove anos de idade. Diferentes obras começaram quase em simultâneo e estiveram ininterruptamente nas preocupações do projectista, sem nunca esquecer uma formação cívica comprometida com os ideais e os companheiros da juventude actuando então e depois na órbita da burguesia progressista do tempo. Claro que o arquitecto de 1446 é bem mais experiente e seguro das suas convicções sobre o mundo da arte e arquitectura do que o era em 1419. Mas o centro das preocupações teóricas e conceptuais conduz o seu modo de fazer para soluções que se revelarão intemporais, integrando hoje o património estabilizado da metodologia projectual em arquitectura.Uma dimensão que queremos realçar na construção dos novos conceitos surgidos no primeiro momento do renascimento em Florença com fundamento na tradição das vivências artísticas e sociais das cidades saídas da reorganização da economia medieval, é a da noção do desenho para a valorização da forma urbana. Por certo, as situações de crise e conflito que advinham da concorrência entre comunidades rivais ficaram associadas aos inúmeros processos de guerra entre estados e ao consequente incremento da arquitectura militar como agente transformador das artes da guerra. O envolvimento da inteligência criativa na defesa das cidades estimulou o sentido da qualidade urbana intra-muros solidificando a noção de cidadania num contexto de luta e esteve na origem da concepção formal da cidade como um todo. Brunelleschi, em representação das forças sociais dominantes na sua Florença natal, desempenhou um papel significativo na invenção de importantes acções militares dos exércitos florentinos, pelo que não surpreende o seu envolvimento na defesa de uma cultura urbana assente na expressão da arte e no valor da técnica.A ideia de ordenamento regular e geométrico dos espaços públicos centrais de representação das funções cívicas da cidade está também referenciado à leitura da tradição clássica das formas romanas que atravessou toda a idade média em Florença. Neste sentido, o desejo da praça-forum antecede na primeira cidade da Toscânia as práticas urbanas de reconstrução das praças citadinas segundo a ordem geométrica e a axialidade perspéctica que se expande em Itália na segunda metade de quatrocentos.O texto toma as linhas de força da proposta inovadora de Brunelleschi e divide a sequência temática em capítulos que realçam a importância da sabedoria técnica, a atenção aos valores da cultura preexistente, o interesse pelo modo romano, a invenção do projecto, as questões da proporção e, finalmente, como leitura consequente dessas problemáticas, a questão central das ideias humanistas do tempo que justificam a importância dos conceitos sobre o espaço e a forma urbana. -
Philibert Delorme - Profissão de arquitectoA arquitectura francesa na sua passagem dos estilos medievais para a linguagem clássica não se caracteriza por ser obra "de autor", antes exprime uma tendência para a transformação de ideias e vontades colectivamente assumidas em sectores da sociedade que se podem considerar os "autores colectivos" de novos monumentos, num processo de criação lento agregando em cada obra de base tradicional os elementos importados que a moda ou necessidades de um tempo sugerem. Assim também "a arquitectura do renascimento" chegou a França como uma moda da casa real que transportou consigo mais discurso que teoria, mais imagem circunstancial do que outra sabedoria de fazer. Enquanto os criadores importados de Itália discorriam sobre a modernidade da sua arte nos salões da corte, os construtores iam marcando as obras por adição sucessiva nas tradições de cada tempo, levando os sintomas da crença na maneira gótica até uma idade muito avançada do classissismo. Então porque eleger Philibert Delorme para expressar os traços fundamentais de uma nova arquitectura na estabilização da idade moderna nos senhorios unificados da Gália, se predomina nessa fase a indefinição de autorias? Afinal nem uma só obra deste arquitecto terá persistido que possa traduzir a relevância que teve a sua acção ao serviço dos monumentos de França quando se começava, finalmente, aconsolidor a tendência classissista em detrimento do gótico final. Mais do que a pouca obra persistente da enorme quantidade de pequenos e grandes projectos realizados, importa avaliar o impacto que teve na transformação da cultura arquitectónica a personalidade daquele que é em geral considerado o mais importante arquitecto do renascimento em França. Por um lado actuando na formação de um modo nacional de interpretar a imparavel expansão do classissismo na Europa, devida a razões filosófico-políticas bem mais largas do que uma moda de fazer igrejas ou palácios. Por outro lado assumindo-se como paladino de um profissionalismo na área específica da arquitectura entendida como disciplina autónoma das outras artes visuais no perseguimento da beleza. Relendo Alberti e através dele compreendendo a memória renascentista de Vitrúvio, Delorme pode expressar através de um discurso teórico bem ilustrado no seu Premier Tomo do tratado Architecture, os caminhos de uma profissão exigente enquanto prática artística suportada pela competência científica e técnica e balizada pela teoria reflexiva algo moralista que o seu estatuto de ministro da igreja lhe conferia. A arquitectura é uma arte da invenção e Philibert Delorme foi o mais empenhado e inspirado inventor do seu país à entrada da era moderna, contrariando as regras estáticas das corporações ligadas à construção, encetando caminhos libertadores que abriram perspectivas para o desenvolvimento das novas formas. Outro motivo pelo qual é importante o papel por ele desempenhado no quadro da sociedade do seu tempo é o de ter trabalhado na definição de uma ordem francesa na construção do classissismo europeu, interpretando de perto as ruínas da antiguidade para coerentemente ensaiar um modo de fazer próprio do seu espaço cultural. Usaremos na ilustração do texto vários desenhos de Jacques Androuet Du Cerceau, que publicou Les plus excellents bastiments de France. Parece que Delorme não manifestava grande simpatia pelo seu contemporâneo, denunciando os maus retractos feitos por fazedores de desenhos e gravadores ignorantes. Mas foi graças a esse registos dos castelos de Saint-Maur, de Saint-Léger, de Anet, de Saint-Germain, de Chenonceaux e das Tuileries que foi possível trazer até hoje a parte principal dos trabalhos realizados por Philibert Delorme, consolidando o seu prestígio como o primeiro arquitecto francês do renascimento. -
Balthasar Neumann - O último arquitecto barrocoA arquitectura de Balthasar Neumann não representa a abertura de um novo caminho na história da arquitectura europeia, antes exprime uma síntese dos modos que foram sendo exploradas pelos precedentes autores do barroco da Europa Central. Competiu com a grandiosidade de Versailles nos palácios para os príncipes da Francónia, organizou a articulação dos espaços elípticos nas igrejas à maneira da sua Boémia natal, aplicou a lição renascentista nas composições em geometria simetrizada, explorou a articulação das formas nas mais largas paisagens, jogou com o cromatismo e a luz intensa na criação de atmosferas nos espaços interiores. Recorrendo a uma sabedoria construída na exploração das técnicas, trabalhou o projecto como obra de arte total, como se fosse pauta de música que não deixa margem para equívocos na sua execução. Gémeo espiritual de Juan Sebastian Bach, é mais um notável personagem da última expressão do barroco alemão com o encanto, o rigor e a sensibilidade compositiva que nos deixa suspensos perante o enigma da qualificação da arte. Por isso elegi Neumann como o principal actor deste momento da arquitectura europeia. Chamei-lhe o último arquitecto barroco. É exagerada a afirmação que pretende tão só por em destaque um momento da história da arquitectura ocidental que, pela extrema intensidade com que trabalha os problemas do espaço na sua relação com os significados sociais que a suportam, anuncia o inevitavel passo seguinte de regresso à essência das formas manuseadas pela capacidade inventiva dos artistas. Ele representa toda uma geração que preencheu a primeira metade de setecentos no vasto território dos domínios da autoridade espiritual da igreja de Roma, que perdurou até à ascenção ao poder da burguesia saída da actividade comercial à escala dos oceanos da Terra. Todo o ciclo clássico que se desenrolou na Europa consistiu numa importação da moda de fazer à italiana em geito de modelo fingido de "Roma antiga". Nas áreas do norte ditas germânicas ou saxónicas, foram-se viciando as formas do fazer gótico com a pimenta dos mercadores italianos que atravessavam o continente a partir do sul. Mas não há só fenómenos de viciação das culturas num único sentido. A infectação dos modos importados pelas sólidas práticas regionais condicionadas pelo valor intrínseco das permanências sócio-culturais, vai provocando as especificidades de cada maneira regional, que também funciona para a exportação e contaminação no sentido inverso. Foi o que aconteceu quando os criativos formaram a sua personalidade na lição clássica e no exemplo dos antigos, enquanto liam as experiências dos que ainda lhes estavam próximos. A sua base cultural não deixou de ser profundamente marcada pelos valores empíricos que persistiam no seio das suas comunidades e que, caminhando pelo inconsciente dos comportamentos e atitudes, veio a determinar uma parte substancial do estilo próprio, retirando uniformidade e coerência à importação do clássico. Por outro lado a loucura fundamentalista dos contra-reformistas autoritários esbarrou muitas vezes com a vontade de rigor científico e o gosto pela criatividade serena de artistas que, aínda que fieis aos seus senhores e modestos na sua presunção, não abdicaram dos actos de inteligência para a produção da obra de arte. Por esse caminho, recusaram o apelo à irracionalidade instintiva, racionalizando o recurso aos modos perceptíveis do fazer. Este é também um aspecto pela qual a obra de Balthasar Neumann me parece não ser original, mas absolutamente exemplar. Ela representa a resistência subtil da atitude inteligente, estudiosa e interventiva que foi estando presente ao longo destes momentos de inovação temática em tempo de renascimentos clássicos. Com a delicadeza de quem cumpre os desígnios dos patronos e a força criativa pessoal capaz de deixar um rasto de beleza sensível no seu percurso de vida. -
Leon Battista Alberti - Teoria da ArquitecturaAlberti foi o primeiro "uomo universale" do renascimento europeu. Escritor humanista admirador dos clássicos, dedicou-se às ciências e às artes, estudou geometrias e astrologia, foi poeta e ensaísta, desenvolveu estudos matemáticos e ópticos para consolidação dos conhecimentos de perspectiva no seu tempo, interessou-se pela aplicação dos princípios harmónicos e compositivos da música às regras da proporção em arquitectura. Nos círculos humanistas do renascimento italiano foi elogiado como literato, matemático, físico, músico, pintor, escultor e arquitecto.O movimento arquitectónico europeu vem extraindo do pensamento discursivo e sistemático expresso no De Re Aedificatori as bases de uma teoria geral para a construção e para a cidade, enquanto artefactos ao serviço do equilíbrio do espaço humanizado e, como tal, integradores de uma cultura do sensível e do belo. O discurso Albertiano constitui um exacto exercício na tentativa de descoberta dos valores essenciais da arte de construir. Mas também há uma obra especificamente arquitectónica persistente no terreno, a qual marca a memória indelével do mito que as concebeu. São coisas reais como as fachadas de San Francesco de Rimini, de Santa Maria Novella ou do palácio Ruccelai em Florença ou os templos paradigmáticos de San Sebastian e Sant' Andrea de Mântua, que nos permitem admirar o arquitecto e confrontar as suas soluções com os princípios enunciados no seu tratado.Alberti declarou-se, em certa época da sua vida, pintor e escultor. Mas, mesmo nessa qualidade, o que nos deixou foi um notável trabalho escrito sem desenhos. É quase certo que desenhava, mas a sua estrutura intelectual conduzia-o sistematicamente ao modo discursivo de natureza abstracta, ao contrário do processo de memorização visual para suporte das sínteses que caracteriza o trabalho próprio da arquitectura que ele ajudou a definir. A teoria de Alberti é bem mais que a leitura crítica do tratado de Vitrúvio, porque pretende fixar os enunciados metodológicos legíveis nos acontecimentos do seu tempo, formulando as regras quanto ao desenho e ao reconhecimento do projecto como instrumento de rigor que hoje constituem ainda os procedimentos básicos do fazer arquitectónico.Os primeiros trabalhos significativos em matéria de arquitectura realizados por Alberti, atêm-se à problemática dos planos de presença exterior, introduzindo o vocabulário clássico na ordem geométrica visível. São os invólucros de San Francesco de Rimini, do palácio Ruccelai ou de Santa Maria Novella em Florença. Com eles vêm ao processo os traçados reguladores identificados por arcos, pilastras, capiteis e outros símbolos romanos, que dão corpo à articulação gráfica do jogo das proporções como entidades abstractas. Em contrapartida, os projectos realizados na idade madura, de que se destacam as igrejas de San Sebastian e Sant' Andrea, constituem exemplos magníficos do jogo das espacialidades comandadas pela luz, num trabalho de modelação da forma interior em que a sensibilidade plástica se aliou à razão compositiva de raíz geométrica para criar duas obras arquitectónicas que são o espelho dos enunciados fundamentais do seu discurso teórico. San Sebastian evidencia o drama dos artistas do renascimento ao tentarem colocar as formas espaciais em correspondência com a teoria da perfeição geométrica, ao mesmo tempo que se querem úteis servindo os desígnios da liturgia religiosa, num compromisso impossível de concretizar. Sant' Andrea, ao colocar o modelo organizativo do acto religioso como referência indicadora da estrutura arquitectónica, ofereceu-se como solução excelente para ser tomada como protótipo de toda a arquitectura da contra-reforma religiosa que fez a história do classicismo até ao final do século XVIII. -
António Francisco Lisboa - Classicismo no Novo MundoEm tempo de euforia migratória estimulada pela miragem do ouro do Brasil, muitos portugueses dos ofícios da construção optaram pela aventura, na esperança de melhores dias para as suas vidas. Não partiam de mãos vazias. A primeira ferramenta de um artífice inteligente é o seu caderno de modelos, memória segura da aprendizagem possível, guia para o entusiasmo de fazer bem para ganhar estatuto na profissão. António Francisco Lisboa nasceu no Brasil, filho natural de um desses emigrantes. Herdou do pai o jeito para a talha e o sentido da criação das formas. Inteligente, teria até frequentado lições de latim e lia a Bíblia. Com perto de quarenta anos, na força da vida e já senhor de um notável prestígio de artista, sofreu de uma doença que lhe foi destruindo o corpo ao longo dos restantes quase quarenta que ainda suportou, até que se finou paralítico e cego. Interrogamo-nos sobre como foi possível a um homem que nunca viajou para o outro lado do Atlântico nem frequentou a sabedoria dos tratados da arquitectura europeia, atingir um tal grau de refinamento como geómetra, dominador dos princípios mais subtis da composição das formas barrocas com um nível de encanto que o coloca mais próximo da linha de Borromini do que qualquer outro arquitecto, por mais culto e europeu que procuremos. Em São Francisco de Ouro Preto somos acometidos da mesma emoção estética com que nos invade a obra de Borromini, nessa linha do tratamento das axialidades contrárias sob matriz luminosa, que o autor romano aceitava ter origem nas experiências medievas da sua primeira aprendizagem. A concepção do espaço interno na arquitectura do Aleijadinho é mais determinada pela sensibilidade pessoal com que retoca os esquemas que lhe são fornecidos pelas formas da evolução local ou pelas notícias gráficas de arquitecturas distantes, do que por uma formação escolástica ou fruto de transmissão organizada de um código de bem fazer. Nos confins da terra do ouro, escondido muito para lá do oceano nas serranias de Minas Gerais, vamos encontrar a figura do arquitecto descrita por Alberti na pessoa de António Francisco, utilizando o desenho como traço de rigor para a obra que o construtor executa seguindo a invenção formal do autor do risco. Repetindo de modo inconsciente os passos que sabemos terem sido os dos primeiros arquitectos do renascimento florentino, cinzeladores da prata que modelaram a forma na sua imaginação para ser transposta ao mármore. -
Guarino Guarini - Geometrias arquitectónicasA obra teórica e prática de Guarino Guarini ganha particular relevância na história da arquitectura ocidental por ter colocado várias questões relacionadas com a ideia de que os esquemas das linguagens clássicas não são imutáveis e podem ser corrigidos em função das necessidades do tempo moderno, incluindo a exploração de variantes dinâmicas para as diferentes formas dos templos. Como padre e arquitecto interno de uma organização religiosa, foi na concepção das igrejas que mais concentrou atenções, mas não deixou de colocar em evidência um método de pensar o projecto independente do programa funcional que se torne necessário resolver. A originalidade e brilhantismo das obras efectivamente realizadas granjeou-lhe o reconhecimento dos contemporâneos e foi até capaz de ultrapassar a hostilidade e desinteresse das gerações seguintes veiculadoras do ideal neoclássico, sendo reconduzido ao centro do debate arquitectónico pelos mais prestigiados historiadores do século XX. Representa o prolongamento da experiência de Borromini, mas apoiada por uma formação em filosofia mais estruturada, própria de um homem que defendia a escolástica de base aristotélica. O livro de Guarino Guarini, Architettura Civile, passou então a figurar no rol da tratadística específica da disciplina no grupo dos primeiros textos científicos da época moderna. Suportado pelo domínio das matemáticas e pela reflexão filosófica, filiou-se no campo da geometria projectiva dando corpo ao teorema de que as linhas paralelas se encontram no infinito e assim resolveu a ambição herdada dos construtores medievais em tempo gótico no sentido de elevar até Deus a ideia da verticalidade do espaço religioso. Por outro lado, ao submeter a ordem espacial à ideia de representação do não finito, concentrou as mais vistosas experiências arquitectónicas na determinação das condições de eficácia das plantas centralizadas, as que melhor expressavam o jogo ascensional das formas em complexos fortemente luminosos. Trabalhou com o desenho dos arcos parabólicos sob a luz intensa extraída das coberturas para criar um quadro espacial flutuante, capaz de provocar o enigmático sentimento de estupefacção e maravilha como um outro caminho para abrir a curiosidade e inteligência do espectador. A capacidade de conjugar os princípios geométricos estruturadores da forma com a interpretação do comportamento dos potenciais utilizadores da sua arquitectura, constituiu outra lição inovadora, a que se juntou a hábil utilização dos complementos decorativos, convencionais ou inventados, com recurso a materiais brilhantes ou à cor intensa integrada na manipulação arquitectónica do claro-escuro, para conquistar a admiração das pessoas simples. Curiosamente, só as igrejas de planta central realizadas em Turim na parte final da sua vida sobreviveram relativamente intactas até aos nossos dias. Mas os desenhos amplamente divulgados na passagem para o século XVIII e a doutrina expressa no seu tratado de arquitectura, acabaram por ter influência decisiva no desenvolvimento da linguagem barroca na Europa central. -
John Nash: Arquitectura UrbanaNa transição do clássico para o romântico John Nash, com o entendimento pragmático e oportunista da vida, estendeu a sua acção até onde as circunstâncias lhe proporcionaram ganhos emotivos e sociais. Sem qualquer nostalgia no plano pessoal, extraiu do prazer da vida os argumentos para a enorme diversidade da sua arquitectura, desde as casas de campo nos ambientes bucólicos das paisagens criadas pelo ardor inventivo dos paladinos do paisagismo, até à montagem do cenário clássico no traçado da elegante nova Londres. Foi esta faceta que interessou aos estudiosos do urbanismo contemporâneo, tomando-o como referente do movimento que se intensificou no início do século XIX. Nash correspondeu com competência e sabedoria às exigências de cada situação, afastando-se dos caminhos considerados como a base da acção de qualquer arquitecto. Serviu uma numerosa clientela de senhores da aristocracia rural e urbana, apaziguando-lhes o sentimento de perda com recurso à imaginação criadora, sem nunca comprometer os seus próprios anseios de lucro material. John Nash poderia ser considerado o último arquitecto do ciclo clássico europeu se o seu revivalismo não fosse apenas um instrumento de circunstância para conferir densidade formal ao traçado urbano, nos seus projectos para a expansão de Londres. O particular significado das suas propostas foi o de integrar os instrumentos desenvolvidos pela primeira geração dos paisagistas pitorescos com a prática intuída na própria história do país, para gerar uma nova experiência de pensar a cidade. -
Claude-Nicolas Ledoux - Formas do iluminismoForam diferentes os caminhos percorridos no ambiente de Paris por Claude-Nicolas Ledoux e Etienne-Louis Boullée. Vivendo e trabalhando muito próximos de áreas do poder e com grande capacidade de decisão, descobriram a sua própria indisponibilidade para responder à encomenda pública ou privada respeitando as limitações dos códigos clássicos. Tratando-se de duas personalidades muito distintas, acabaram ambos por se colocar intelectualmente próximos do racionalismo crítico dos neoclássicos da primeira geração, bem como dos seus émulos enciclopedistas, em nome dos princípios das vanguardas para a revolução das ideias. Posicionaram-se como arautos de uma atitude artística diferente sem evidenciar clara consciência revolucionária, mas assumindo o princípio da liberdade individual no processo criativo. Ledoux manifestou desde cedo tendência para a realização de obra inovadora, cuja característica principal foi a de respeitar velhas práticas artísticas mas estabelecendo sobre elas critério interpretativo e crítico à luz da ligação com o quadro de valores emergentes. Assentou saberes sobre as correntes tradicionais do classicismo em versão depurada das cargas decorativas com que a geração precedente tinha envolvido os enunciados maneiristas. Foi a desconfiança sobre a legitimidade dos dogmas, anunciada pelos arautos do racionalismo, que acabou por romper com a crença na divina proporção. Escritores e artistas, progressivamente libertos da tutela das Academias, foram lançando as bases do livre arbítrio e da afirmação individualista. Depressa o romantismo, nas suas múltiplas formas de afirmação dos valores da nova burguesia, se espalhou por todo o ocidente e colónias do comércio marítimo protagonizado pelos impérios ocidentais. O movimento romântico tomou o comando da nova cultura europeia, cabendo aos intelectuais franceses formular a teoria da nova sociedade liberal. Ledoux desenhou a cidade utópica de Chaux segundo o método clássico da arquitectura que pressupõe a visão unitária e global das formas que integram o conjunto imaginado, como se se tratasse apenas de uma outra escala do edifícado. Uma bela atitude que representa apenas um caminho impossível perante a realidade nascente da passagem à Idade Contemporânea. Se John Nash personificou na Inglaterra, sempre liberal mas inimiga de Napoleão, a alternativa pitoresca e romântica para uso das vaidades do rei, Ledoux e Boullée colocaram-se do lado moral da utopia para encerrar o ciclo clássico da história da arquitectura na Idade Moderna. -
Jan Van Eyck: representação do espaço realJan Van Eyck actuou num ambiente cultural e político distinto do que explica o ciclo histórico saído da vontade de fazer renascer a memória do classicismo romano. Com perfeito domínio do desenho e aparente controlo da geometria, recorria às mais avançadas técnicas pictóricas, às convincentes perspectivas, à expressão dos sentimentos humanos nos retratos e até à subtileza dos significados induzidos na pintura, quando, nas cidades do sul, ainda mal se definiam as primeiras regras da ciência perspéctica. E sabe-se como o domínio da representação eficaz do espaço real constitui o instrumento básico para arte de modelação das formas espaciais, o mesmo que esteve na base do ressurgimento da ideia de arquitectura que marcou o ciclo moderno.Foram os pintores que tomaram em mãos as descobertas técnicas para a eficaz representação da realidade. Práticas antigas de desenho e pintura nas paredes das igrejas, nos pergaminhos dos livros, nas tábuas dos altares, foram enriquecidas por novas descobertas, mas também pela percepção intuitiva das proporções na natureza ou pela aplicação consciente do saber desenvolvido pelos geómetras. Inventaram o fingimento, transformando qualquer parede cega numa imensidão de espaço, outro palco para o teatro da vida. Os mecanismos do pensamento artístico actuaram para uma efectiva compreensão do espaço.Um conceito contemporâneo de arquitectura utiliza o desenho integrado num conjunto de operações intelectuais que visam dominar as ideias formuladas no interior do espírito do artista, trazendo-as ao plano concreto de um suporte físico para aí serem trabalhadas com um grau de consciência superior. É a arquitectura como coisa mental, a que não é alheio o domínio dos instrumentos inventados por pintores e geómetras para a representação do espaço. Por essa via o desenho transforma-se em projecto, passando a integrar um conjunto de materiais de comunicação organizados como sistema para a transferência da ideia formal preconcebida e por aí chegar à realização física desejada.O Renascimento foi reflexo das descobertas da geografia, das viagens e da ciência experimental. Codificaram-se novas regras em todos os domínios do saber, incluindo a literatura e as artes visuais, como resposta integrada no movimento cultural gerado na Europa. Correspondeu ao renascer da experiência urbana, servindo as mais diversas formas da arte como meio para a consolidação de novas estruturas do viver. A cultura de isolamento deu lugar à expressão do ser em colectivo, como se fora uma descida do céu à terra, transportando as práticas e sentimentos religiosos para os níveis de entendimento da moral necessária a uma boa organização da vida quotidiana. É, também, por isso que esta História da Arquitectura Moderna começa pelo notável trabalho dos pintores que porfiaram na dolorosa descoberta dos meios para o domínio e correcta representação das formas no espaço. -
Casas de Brasileiro, Erudito e Popular na Arquitectura dos Torna-ViagemA participação dos torna-viagem na formação da vanguarda artística portuguesa a que se convencionou chamar futurista ou modernista não é evidente. Mas estes novos-ricos dos alvores do século XX sempre tiveram grande disponibilidade para a ruptura, aceitando a importação do internacional como factor diferenciador e testemunha de sucesso na representação do seu regresso à terra natal. Nas Casas de Brasileiro que construíram não só nas principais cidades e vilas mas também nas pequenas povoações do espaço rural adoptaram soluções inovadoras e requintadas. Muitas vezes, estas obras resultaram da intervenção de projectistas escolhidos pelo seu prestígio como construtores ou artistas capazes de responder às exigências de modernidade destes proprietários enriquecidos, conhecedores do conforto oferecido pelo mundo em transformação. Este livro trata destas casas que, dispersas no território, se tornaram marcas da variante moderna do romantismo europeu na produção arquitectónica. Em Portugal, suportadas pelos excedentes de dinheiro vindo do Brasil, ou de África (e raramente da América do Norte), e promovidas por clientes disponíveis e colaborativos, constituíram oportunidades imensas de trabalho para os arquitectos. A narrativa histórica da arquitectura portuguesa nos alvores da modernidade também terá de ser feita para além das grandes cidades, num território onde a casa do torna-viagem é um elemento fundamental.
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Direito de Cidade - Da «cidade-mundo» à «cidade de 15 minutos»Criador do conceito mundialmente conhecido de «cidade de 15 minutos», Carlos Moreno propõe soluções para responder ao triplo desafio ecológico, económico e social da cidade de amanhã.Em Direito de Cidade, Moreno questiona a nossa relação com os nossos espaços de convivência e com o tempo útil. Na sua visão de uma cidade policêntrica, as seis funções sociais essenciais — habitação, trabalho, compras, cuidados de saúde, educação e desenvolvimento pessoal — devem estar acessíveis num raio de 15 minutos a pé.O autor lançou um debate mundial ao analisar o complexo e vibrante laboratório ao ar livre que é a cidade, onde se exprimem as nossas contradições e se testam as mudanças nos nossos estilos de vida. Concentrando a maior parte da população mundial, mas também as grandes questões do desenvolvimento humano — culturais, ambientais, tecnológicas ou económicas —, os territórios urbanos estão hoje presos aos desafios do século e devem reinventar-se urgentemente.Ao propor uma descodificação sistémica da cidade, Carlos Moreno avalia os meios e os campos de ação do bem-viver e define as implicações das mudanças aceleradas pela urbanização e pela metropolização. -
Alegoria do PatrimónioNeste livro, a autora trata a noção de monumento e de património histórico na sua relação com a história, a memória e o tempo, analisa os excessos deste novo «culto» e descobre as suas ligações profundas com a crise da arquitectura e das cidades. -
Neutra: Complete WorksOriginally from Vienna, Richard Neutra came to America early in his career, settling in California. His influence on postwar architecture is undisputed, the sunny climate and rich landscape being particularly suited to his cool, sleek modern style.Neutra had a keen appreciation for the relationship between people and nature; his trademark plate glass walls and ceilings which turn into deep overhangs have the effect of connecting the indoors with the outdoors. His ability to incorporate technology, aesthetics, science, and nature into his designs brought him to the forefront of Modernist architecture.In this volume, all of Neutra’s works (nearly 300 private homes, schools, and public buildings) are gathered together, illustrated by over 1,000 photographs, including those of Julius Shulman and other prominent photographers. -
Eiffel TowerCommanding by day, twinkling by night, the latticework wonder of the Eiffel Tower has mesmerized Francophiles and lovers, artists and dreamers for over 125 years. Based on an original, limited-edition folio by Gustave Eiffel himself, this book presents design drawings, on-site photographs, and historical documents to explore the making of a..Vários -
As Origens da ArquitecturaA arquitectura é o conjunto dos cenários artificiais, construídos pela família humana durante a sua presença na Terra, desde a pré-história. Hoje, precisamos de toda essa experiência para enfrentar as tarefas actuais. Esta obra é um relato dos primórdios da Arquitectura, desde a Pré-História. É uma interpretação nova, que alarga as fronteiras da disciplina e propõe uma ideia unitária da tradição de que descendemos. -
Popular Architecture in the Communities of the Alentejo“This is a most impressive dissertation on a subject of enormous importance for future developments in architecture and ways of living, especially at this time of recession and of a new and increasing concern with the environment and sustainability, problems of global warming and of reliance on fossil fuels, destruction of natural biodiversity, corals, rainforests, and a range of species. In such a context, this dissertation makes a remarkable contribution to the task of recreating a better way of life and of building. José Baganha has create, l what must be one of the most complete records of regional architecture and urban planning, methods of construction, use of local materials, relation of vernacular buildings to landscape and to ways of life and work. Among the numerous superb illustrations are sketches and photographs, plans and sections, by the author, ranging from distant views of towns such as Monsaraz and Mértola to decorative details like the sgraffito ornament at Évora. His beautiful photograph of the Praça do Giraldo at Évora with its low arcade and great fountain shows more than any words what we need to preserve and recreate. Considering in his dissertation the damage done to these towns and villages from the 1960s, José Baganha modestly expresses the 'hope that it can be an operating manual for all those intending to intervene in the villages, towns, and cities of the Alentejo. In fact, with his numerous wise recommendations ranging from planning and building to the importance of kitchen gardens and orchards, his dissertation will be a source of inspiration far beyond this region of Portugal. DAVID WATKIN Ph.D, Litt.D, Hon. FRIBA, FSAEmeritus Professor of the History of Architecture -
Siza DesignUma extensa e pormenorizada abordagem à obra de design do arquiteto Álvaro Siza Vieira, desde as peças de mobiliário, de cerâmica, de tapeçaria ou de ourivesaria, até às luminárias, ferragens e acessórios para equipamentos, apresentando para cada uma das cerca de 150 peças selecionadas uma detalhada ficha técnica com identificação, descrição, materiais, empresa distribuidora e fotografias, e integrando ainda um conjunto de esquissos originais nunca publicados e uma entrevista exclusiva ao arquiteto.CoediçãoArteBooks DesignCoordenação Científica + EntrevistaJosé Manuel PedreirinhoDesign GráficoJoão Machado, Marta Machado -
A Monumentalidade Crítica de Álvaro SizaEste livro, publicado pela editora Circo de Ideias, com edição de Paulo Tormenta Pinto e Ana Tostões elege o tema da “monumentalidade” na obra de Álvaro Siza como base de um discurso crítico sobre a arquitectura e o papel dos arquictetos em relação à cidade contemporânea. O Pavilhão de Portugal, projectado para a Expo'98, é o ponto de partida desta pesquisa, apresentando-se na sua singularidade como momento central de um processo de renovação urbana, com repercussões na consciência política do final do século XX. Em Portugal, os ecos dessa política prolongaram-se após a exposição de Lisboa, consolidando uma ideia urbanística que vinha sendo teorizada desde o final da década de 1980. A leitura dos territórios num tempo longo e a imersão na cultura arquitectónica são pressupostos invariáveis na abordagem de Siza e alicerces discursivos sobre a “monumentalidade”.