Lágrima
Helder Moura Pereira nasceu em Setúbal, em 1949. Revelou-se como poeta em 1976, numa obra colectiva - Cartucho - em colaboração com Joaquim Manuel Magalhães, João Miguel Fernandes Jorge e António Franco Alexandre. Tem mais de duas dezenas de livros de poesia publicados, sendo este o segundo que edita na Assírio & Alvim. Também para esta editora traduziu: "Poemas de Amor do Antigo Egipto" (colecção Gato Maltês) e "O Fazer da Poesia", de Ted Hughes (recentemente editado na nova colecção Testemunhos). Na colecção Assirinha, conta já com dois livros da sua autoria: "A Pensar Morreu Um Burro" (com ilustrações de Luis Manuel Gaspar) e "Os Poemas do Coelho Rámon" (com ilustrações de Ruth Rosengarten).
Dizeres o meu nome era a tua melhor carícia, não que gostasses
do som e o escolhesses para um filho. Era apenas o meu nome,
quando na sombra o vulto passava e quando ao sol contava
pulsações. Assim, projectando lazeres nos ramos das árvores,
lembrei-me como era possível voltar a escrever na casca.
E com o canivete fui rasgando corações, depois todo contente
fui fazer uma salada. À tarde apalpei-te e tu deste um gritinho.
Os leitores, dizias a rir, que vão achar os leitores dos pormenores
da tua vida íntima, secreta e privada? Tudo tem de ter
uma lógica, sabes bem, nem que seja a mentira de eu existir.
Mesmo num filme sério quando a imagem era cortante de beleza
o teu riso ecoava na sala e a gente culta fazia chiu e voltava
a cabeça para trás. Eu, muito envergonhado, jurava para dentro
de mim que nunca mais te levaria ao cinema. Contudo, ao mesmo
tempo, achava graça haver uma pessoa que achava graça a tudo.
Na cama tu nunca disseste o meu nome, um dia falei-te nisso
e respondeste que era melhor do que gritar é tão bom zé manel.
Afasta portanto as tuas pernas tensas para que eu possa passar
por inventor e julgar que ninguém faz o que eu faço. Ou então
faz-te difícil para que me sinta campeão da poesia mais boçal.
| Editora | Assírio & Alvim |
|---|---|
| Coleção | Poesia Inédita Portuguesa |
| Categorias | |
| Editora | Assírio & Alvim |
| Negar Chronopost e Cobrança | Não |
| Autores | Helder Moura Pereira |
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Poemas de Amor do Antigo EgiptoO teu amor infiltra-se no meu corpo Tal como o vinho se infiltra na água quando O vinho e a água se misturam. As traduções aqui apresentadas foram feitas a partir das versões em inglês de Ezra Pound (Conversas na Corte) e Noel Stock (todas as outras), que por sua vez se basearam na fixação dos textos hieroglíficos em italiano por Boris de Rachewiltz (Liriche Amorose degli Antichi Egizione, Vanni Scheiwiller,Milão, 1957). A primeira edição americana é de 1962 (New Directions, Nova Iorque). Os poemas datam de entre 1567 a.C. e 1085 a.C. Quando me dá as boas-vindas De braços bem abertos Sinto-me como aqueles viajantes que regressam Das longínquas terras de Punt. Tudo se muda: o pensamento, os sentidos, Em perfume rico e estranho. E quando ela entreabre os lábios para beijar Fico com a cabeça leve, ébrio sem cerveja -
Um Raio de Sol“Ao pôr assim a questãotão leal e franco corrio risco de me chamaressuspeito, terrorista. Mas se é de amor que falamos.A culpa pode haver, temÉ de ser coisa que se veja.Não me importava que fossesa cruel Ishtar que transformou o amante, jardineirode seu pai, em aranhiço.Ishtar, bom, Ishtaramou primeiro o amantemas tu nem isso.” -
A Tua Cara Não Me é Estranha“A Tua Cara Não Me É Estranha é desarticulante que baste, como seria de esperar, tendo em conta os últimos livros do Autor. Mas não como o anterior [Lágrima, Assírio & Alvim, 2002], em que Helder Moura Pereira trabalhava por dentro dos ritmos e alterava as músicas conhecidas numa direcção torrencial e dissonante. Agora regressam as sombras e as calmas da imagem e da música, embora não as do sentido, que sofre as mesmas temperaturas e colide com os mesmos continentes de hábito. A clareza com que escreve é tal que há um efeito de encandeamento, às vezes, como se uma parte se calhar importante da imagem tivesse excesso de luz. O leitor é chamado para dentro do poema, não só por serem faladas as suas palavras de todos os dias como, sobretudo, aquelas que ele não estaria suposto a encontrar num poema. Depois, a fragmentação, que o leitor quereria conter ou remendar com as suas completudes (é o seu instinto de leitor), depressa se revela uma forma precisa, que procede por lampejos, por movimentos rápidos, por trocas inesperadas do som das frases pelo relevo dos objectos ou dos cenários ou das acções evocadas. Tudo de repente se desfaz em poesia, e a própria tensão erótica, a mais intensa, se vê com outras cores e noutros lugares de entendimento.”Fernando Cabral Martins -
Mútuo Consentimento“A morte afinal não custa nada, diz-mea minha voz insensata como sejá lá tivesse estado. E logo te transmitoo que a minha voz me disse, porqueuma coisa destas merece ser divulgada.Agora a saudade de te ter tidojunto de mim algum tempo esbarracom preocupações e raivasobre como o mundo está.Uma lástima, acrescentas, e o piorestá para vir. Quanto a nós, não sei:a vida dá muitas voltas, quem sabeo que pode acontecer. Mas este futuroassim misterioso é ainda mais tristedo que qualquer passado triste.Quem me dera que dissessespresente quando fosse preciso.Sem amor a gente anda por aquia gemer de dor por dentro, é a verdadepura e simples e o resto é conversa.Já que o mundo está como estáao menos que o lastimássemos a dois.” -
Segredos do Reino AnimalUm dos mais notáveis poetas da sua geração, Helder Moura Pereira tem vindo de livro para livro a reforçar a originalidade e a força do seu discurso poético. Saiba agora que Segredos guarda o Reino Animal... «Das minhas mãos nasce uma história: não se percebe nada. Deve ter sido uma guilhotina da memória (hei-de perguntar porquê ao diabo) a actuar selectivamente num critério qualquer. O mistério do que falta preencher talvez faça de nós inteligentes, obrigados a reflectir entre o absurdo e a lógica.» -
Se as Coisas Não Fossem o Que SãoApagaram-se as luzes azuis da ambulância e mais ficou na nossa imagem a cor do sangue. No trajecto vi mais o teu ser do que à mesa, na cama, no trabalho, o que vi deixou-me descansado: humano, demasiado humano. Tudo podia ter sido mais fácil, eis o que pode dizer qualquer um, e mesmo que quase não haja dinheiro para o táxi e te sintas à beira do precipício, levanta a garganta e berra para aí até já não haver quem te oiça. Da missa metade não soube em tua história e também não é preciso, todos nós já corremos para um hospital e viemos de lá a cheirar a doença e a morte. Por nós ou por outros, nessa grande casa da tristeza e do alívio, democracia total o acaso que dispara e acerta ou não acerta em quem vai a passar. Alguém te segura à beira da derrocada e te pergunta saberás se lá no fundo há algo que valha a pena? Pode ser que sim, pode ser que não, ninguém sabe. -
Pela Parte que me TocaPela Parte Que me Toca é o mais recente livro de Helder Moura Pereira, uma das vozes mais sólidas e originais da poesia contemporânea portuguesa.Folhagem sobre os pés ou sob os pés,raízes que me cortam a buscade um corpo que deve estar por pertoa fazer coincidir o céu azulcom a vontade de ter ar para si,e cinza, e um olhar de amor.Um peso que não se arrasta, vozsem tempo nenhum, vem péante pé sobre mim e sobre o livroque deixou de ter palavrasmal caiu no meio do ar o desejode esvoaçar no meio da tarde. -
Golpe de TeatroGrande Prémio de Poesia da APE 2017.«Golpe de Teatro» é o mais recente livro de poesia de Helder Moura Pereira. Um golpe em quatro actos, sempre mordaz e com notável ironia até ao fim.Foi excitante percebermos qual a corda nossa bandeira branca. Enrolámo-nosnela como dois militantes entusiastaspela mesma causa, já tínhamos passadopor muita coisa e abraçávamos o restodas nossas vidas como se fosse uma causa. -
A Vera Teve Um Sono e Outras HistóriasA Vera é a neta de um avô atento, personagem ideal para um conjunto de histórias breves que nos mostram, desde logo isto: o mundo nunca é apenas aquilo que aparenta. Os bichos, as cores, os frutos e as flores, as nuvens e as letras, tudo pode ser motivo de brincadeira. E as brincadeiras podem mudar-nos para sempre.
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Tal como És- Versos e Reversos do RyokanAntologia poética do monge budista Ryokan, com tradução a partir do original japonês. -
TisanasReedição das Tisanas de Ana Hatherly, poemas em prosa que ocuparam grande parte da vida da poeta e artista. -
NocturamaOs poemas são a exasperação sonhada As palavras são animais esquivos, imprecisos e noturnos. É desse pressuposto que Nocturama lança mão para descobrir de que sombras se densifica a linguagem: poemas que se desdobram num acordeão impressionante, para nos trazerem de forma bastante escura e às vezes irónica a suprema dúvida do real. -
Primeiros Trabalhos - 1970-19791970-1979 é uma selecção feita pela autora, da sua escrita durante esse mesmo período. Uma parte deste livro são trabalhos nunca publicados, onde constam excertos do seu diário, performances e notas pessoais. A maioria dos textos foram publicados ao longo da década de setenta, em livros que há muito se encontram esgotados, mesmo na língua original.“Éramos tão inocentes e perigosos como crianças a correr por um campo de minas.Alguns não conseguiram. A alguns apareceram-lhes mais campos traiçoeiros. E algunsparece que se saíram bem e viveram para recordar e celebrar os outros.Uma artista enverga o seu trabalho em vez das feridas. Aqui está então um vislumbredas dores da minha geração. Frequentemente bruto, irreverente—mas concretizado,posso assegurar, com um coração destemido.”-Patti SmithPrefácio de Rafaela JacintoTradução de cobramor -
Horácio - Poesia CompletaA obra de Horácio é uma das mais influentes na história da literatura e da cultura ocidentais. Esta é a sua versão definitiva em português.Horácio (65-8 a.C.) é, juntamente com Vergílio, o maior poeta da literatura latina. Pela variedade de vozes poéticas que ouvimos na sua obra, estamos perante um autor com muitos rostos: o Fernando Pessoa romano. Tanto a famosa Arte Poética como as diferentes coletâneas que Horácio compôs veiculam profundidade filosófica, mas também ironia, desprendimento e ambivalência. Seja na sexualidade franca (censurada em muitas edições anteriores) ou no lirismo requintado, este poeta lúcido e complexo deslumbra em todos os registos. A presente tradução anotada de Frederico Lourenço (com texto latino) é a primeira edição completa de Horácio a ser publicada em Portugal desde o século XVII. As anotações do professor da Universidade de Coimbra exploram as nuances, os intertextos e as entrelinhas da poética de Horácio, aduzindo sempre que possível paralelo de autores portugueses (com destaque natural para Luís de Camões e Ricardo Reis). -
Um Inconcebível AcasoNo ano em que se celebra o centenário de Wisława Szymborska, e coincidindo com a data do 23º aniversário da atribuição do prémio Nobel à autora, as Edições do Saguão e a tradutora Teresa Fernandes Swiatkiewicz apresentam uma antologia dos seus poemas autobiográficos. Para esta edição foram escolhidos vinte e seis poemas, divididos em três partes. Entre «o nada virado do avesso» e «o ser virado do avesso», a existência e a inexistência, nesta selecção são apresentados os elementos do que constituiu o trajecto e a oficina poética de Szymborska. Neles sobressai a importância do acaso na vida, o impacto da experiência da segunda grande guerra, e a condição do ofício do poeta do pós-guerra, que já não é um demiurgo e, sim, um operário da palavra que a custo trilha caminho. Nos poemas de Wisława Szymborska esse trajecto encontra sempre um destino realizado de forma desarmante entre contrastes de humor e tristeza, de dúvida e do meter à prova, de inteligência e da ingenuidade de uma criança, configurados num território poético de achados entregues ao leitor como uma notícia, por vezes um postal ilustrado, que nos chega de um lugar que sabemos existir, mas que muito poucos visitam e, menos ainda, nos podem dele dar conta. -
AlfabetoALFABET [Alfabeto], publicado em 1981, é a obra mais conhecida e traduzida de Inger Christensen.Trata-se de um longo poema sobre a fragilidade da natureza perante as ameaças humanas da guerra e da devastação ecológica. De modo a salientar a perfeição e a simplicidade de tudo o que existe, a autora decidiu estruturar a sua obra de acordo com a sequência de números inteiros de Fibonacci, que está na base de muitas das formas do mundo natural (como a geometria da pinha, do olho do girassol ou do interior de certas conchas). Como tal, Alfabeto apresenta catorze secções, desde a letra A à letra N, sendo que o número de versos de cada uma é sempre a soma do número de versos das duas secções anteriores. Ao longo destes capítulos, cada vez mais extensos, Christensen vai assim nomeando todas as coisas que compõem o mundo.Este livro, verdadeiramente genesíaco, é a primeira tradução integral para português de uma obra sua. -
Fronteira-Mátria - [Ou Como Chegamos Até Aqui]Sou fronteiradois lados de lugar qualquerum pé em cada território.O ser fronteiriço énascer&serde todo-lugar/ lugar-nenhum.(…)Todas as coisas primeiras são impossíveis de definir. Fronteira-Mátria é um livro que traz um oceano ao meio. Neste projeto original que une TERRA e MAZE, há que mergulhar fundo para ler além da superfície uma pulsão imensa de talento e instinto.Toda a criação é um exercício de resistência. Aqui se rimam as narrativas individuais, com as suas linguagens, seus manifestos, suas tribos, mas disparando flechas para lá das fronteiras da geografia, do território, das classes e regressando, uma e outra vez, à ancestral humanidade de uma história que é coletiva — a nossa. Veja-se a beleza e a plasticidade da língua portuguesa, a provar como este diálogo transatlântico é também a celebração necessária do que, na diferença, nos une.Todas as coisas surpreendentes são de transitória definição. Há que ler as ondas nas entrelinhas. Talvez o mais audacioso deste livro seja o servir de testemunho para muito mais do que as quatro mãos que o escrevem. Ficamos nós, leitores, sem saber onde terminam eles e começamos nós.Todas as coisas maravilhosas são difíceis de definir. Este é um livro para ouvir, sem sabermos se é poesia, se é música, se é missiva no vento. Se é uma oração antiga, ainda que nascida ainda agora pela voz de dois enormes nomes da cultura hip-hop de Portugal e do Brasil. Mátria carregada de futuro, anterior à escrita e à canção.Minês Castanheira
