Durante várias décadas do século XIX, as elites portuguesas reclamaram a criação, em Lisboa, de um Museu Nacional de Belas Artes. Em 1882, o Palácio Alvor abria as portas à Exposição Retrospectiva de Arte Ornamental Portugueza e Hespanhola. Primeira exposição em Portugal (e uma das primeiras do mundo) a contar com iluminação elétrica, catálogo com ilustrações e até um volume de fototipias, envolveu a cidade e o país num momento de entusiasmo cultural. Os trabalhos da comissão organizadora proporcionaram à imprensa nacional uma apaixonada discussão sobre arte e cultura, e contribuíram para o conhecimento internacional da arte nacional. Dois anos depois, o Palácio Alvor abriria as suas portas ao Museu Nacional de Bellas Artes e Archeologia, atual Museu Nacional de Arte Antiga. É a história desse que, até prova em contrário, permanece o mais notável acontecimento cultural do século XIX no nosso país, que aqui se conta.
Os processos artísticos, aí incluídos os do desenho, revestem-se de grande mistério para muitos de nós. Diria até que para a maioria de nós. Embora o desenho seja uma das nossas primeiras formas de expressão, antes da escrita, o afastamento da sua prática orna-o de sombras e enigmas aos nossos olhos. Que pretendem os artistas? Porque prosseguem? Será que têm dúvidas? Arriscam muito? Insistem muito? Em que se inspiram? Como é que trabalham? Terão rotinas? E, se as têm, quais são? Foi para começar a dar resposta a este tipo de perguntas que resolvi abordar um conjunto de dez artistas portugueses, de distintas gerações e com trabalhos diversos, mas com uma coisa em comum: o inequívoco e contínuo envolvimento com a disciplina do Desenho.
Paula Rego - Rehearsal: Ensaio sobre o Amor, de Emília Ferreira, assume-se como um diálogo a três vozes femininas - a autora, a artista e a protagonista do mito - e continua a já longa tarefa de investigação académica original e (sempre) apaixonada da investigadora sobre a Obra da artista anglo-portuguesa Paula Rego (n. 1935).
Desta feita, trata-se de um ensaio sobre o Ensaio (Rehearsal, 1989) de Rego a propósito de um dos mais antigos e conhecidos mitos nacionais portugueses, o de Inês de Castro e de D. Pedro I.
Passo a passo, acompanhando as várias frames da encenação subversiva do mito visual de Rego, a autora deste estudo "ensaia" as suas leituras, como sempre, com enorme sabedoria e destreza, invocando e convocando leituras prévias que se tornam paralelas à medida que apreciamos a obra de arte em questão.
A água que a lua levava no seu seio, nas marés-baixas, era recorrentemente devolvida ao mar nas marés-cheias. Mas houve um dia em isso não aconteceu. Nesse dia, uma sereia teve de sacrificar-se, num gesto de amor e generosidade, para que as águas voltassem ao mar e a dança entre as marés fosse sinal da superação da morte pela força da vida.
É esta a fábula que Emília Ferreira nos conta de modo poético, em Sopros do Mar Antigo, como quem nos sussurra um segredo, e que Ivone Ralha ilustra com o saber e os sabores de sempre.
“Dentro do mar cresce um rio imenso e, maior que a solidão dos pássaros, é a sede dos barqueiros remando pelas luas.Maior, muito maior do que o canto das aves, cresce e revela-se o rio no seio do mar, inchando, subindo até à flor dos dedos, obrigando os barqueiros a remar sempre, até ao infinito, sempre, sempre.”Ilustrações de Ivone Ralha