Miguel Branco - Terra - Ou os Quarenta e Nove Degrau
Toda a nossa realidade experimentada é atravessada por uma cisão original. Não se trata de uma divisão conceptual, mas sim de uma estrutura física e arquitectónica que atribuímos ao espaço, continuamente e sempre que nele nos estabelecemos. Assim que chegamos a um local, separamos a urbe — o espaço que ocupamos, nós, os humanos, composto por vida semelhante à nossa e feito de pedra e de metais, e a floresta, — do latim foris, lá fora, o exterior, onde na nossa imaginação vive tudo o que não partilha as nossas formas e costumes. Esta divisão está na origem de todas as outras: entre a cultura e a natureza, entre a civilização e a barbárie, entre a linguagem ou a razão e a irracionalidade, e se não conseguirmos libertar-nos dela não seremos capazes de ultrapassar todas as outras.
A obra de Miguel Branco é uma das mais poéticas e radicais reflexões acerca de um mundo liberto desta divisão, algo difícil de atingir.
[Emanuele Coccia]
[…] o trabalho de Miguel Branco, recuperando para a sua concretização imagens encontradas em obras esquecidas de artistas ditos menores — que permaneceram num limbo de obscuridade relativamente aos cultores da grande forma, como sejam os vários miniaturistas e animalistas dos séculos XVII e XVIII — caminha, de vários modos, para o domínio do que poderemos designar como o campo de uma arte pós-conceptual. Aquela que, inscrevendo embora as lições trazidas e observadas pelos modelos conceptuais anteriores, se afasta no entanto destes para cingir outra realidade que, muito mais do que a de procurar uma relação com a linguagem se situa antes, e propriamente, nesse plano abertamente novo (e em si mesmo ainda inapreensível) que é o de uma pura relação com a imagem.
[Bernardo Pinto de Almeida]
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CrateraSombrias mas, ao mesmo tempo, acutilantes, estas imagens [...] permitem-nos reconstruir, a partir do mais puro espanto, e da recriação de uma inquietante estranheza [...] um olhar distanciado, mas ainda assim atento, sobre o mundo que habitamos. Este livro foi publicado por ocasião da exposição «Miguel Branco – Cratera», com curadoria de António Gonçalves, realizada na Galeria Ala da Frente, em Vila Nova de Famalicão, de 3 de Fevereiro a 18 de Maio de 2018, em colaboração com a Galeria Pedro Cera. «Poderemos entender, nesta sucessão de crateras, outras tantas alusões a um corpo ferido, que tanto é o próprio e vasto corpo da terra — na figuração de uma Natureza em estado de quase explosão — quanto um outro, mais singular e humano, tocado enfim da expressão sintomática de uma enigmática epidemia, sedutor, mas ao mesmo tempo inquietante, e perversamente entregue às formas virais da sua própria extinção, ou à mutação no devir-monstruoso de uma transfiguração.Também o seu perturbante Cavalo Negro, majestosa peça de grande escala que figura um misterioso cavalo negro sem cabeça, alude inevitavelmente a essa longa tradição da representação do cavalo, quer na história das imagens, quer na dos símbolos[...] A sua inquietante estranheza, desde logo presente na perda da cabeça, como, de outro modo, a que decorre da repetição, na instalação, das sucessivas imagens de silenciosas e enigmáticas crateras, reforça em nós a perplexidade, ao mesmo tempo que sugere uma relação que nos pede o abandono total das anteriores crenças que nos sustentavam, e a entrega, a bem dizer cega, a uma outra forma de relação sensível.Este Cavalo Negro (obra cuja forma final data de 2017, e que foi apresentada pela primeira vez em Paris) é, na verdade, uma fortíssima e admirável alegoria do nosso tempo: ela pede-nos que nos deixemos transportar, sem resistir, e pelas forças da imagem, até um horizonte outro, quiçá messiânico (Benjamin), onde uma comunicação bem diversa se torne, outra vez, fonte de um entendimento mais fundo entre todos os homens. Os homens que restam, e a quem está confiada a possibilidade e o destino de uma outra, nova, humanidade.»Bernardo Pinto de Almeida
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Arte, Religião e Imagens em Évora no tempo do Arcebispo D. Teodósio de Bragança, 1578-1601D. Teotónio de Bragança (1530-1602), Arcebispo de Évora entre 1578 e 1602, foi um grande mecenas das artes sob signo do Concílio de Trento. Fundou o Mosteiro de Scala Coeli da Cartuxa, custeou obras relevantes na Sé e em muitas paroquiais da Arquidiocese, e fez encomendas em Lisboa, Madrid, Roma e Florença para enriquecer esses espaços. Desenvolveu um novo tipo de arquitectura, ser- vindo-se de artistas de formação romana como Nicolau de Frias e Pero Vaz Pereira. Seguiu com inovação um modelo «reformado» de igrejas-auditório de novo tipo com decoração integral de interiores, espécie de ars senza tempo pensada para o caso alentejano, onde pintura a fresco, stucco, azulejo, talha, imaginária, esgrafito e outras artes se irmanam. Seguiu as orientações tridentinas de revitalização das sacrae imagines e enriqueceu-as com novos temas iconográficos. Recuperou lugares de culto matricial paleo-cristão como atestado de antiguidade legitimadora, seguindo os princípios de ‘restauro storico’ de Cesare Baronio; velhos cultos emergem então, caso de São Manços, São Jordão, São Brissos, Santa Comba, São Torpes e outros alegadamente eborenses. A arte que nasce em Évora no fim do século XVI, sob signo da Contra-Maniera, atinge assim um brilho que rivaliza com os anos do reinado de D. João III e do humanista André de Resende. O livro reflecte sobre o sentido profundo da sociedade de Évora do final de Quinhentos, nas suas misérias e grandezas. -
Constelações - Ensaios sobre Cultura e Técnica na ContemporaneidadeUm livro deve tudo aos que ajudaram a arrancá-lo ao grande exterior, seja ele o nada ou o real. Agora que o devolvo aos meandros de onde proveio, escavados por todos sobre a superfície da Terra, talvez mais um sulco, ou alguma água desviada, quero agradecer àqueles que me ajudaram a fazer este retraçamento do caminho feito nestes anos de crise, pouco propícios para a escrita. […] Dá-me alegria o número daqueles a que precisei de agradecer. Se morremos sozinhos, mesmo que sejam sempre os outros que morrem — é esse o epitáfio escolhido por Duchamp —, só vivemos bem em companhia. Estes ensaios foram escritos sob a imagem da constelação. Controlada pelo conceito, com as novas máquinas como a da fotografia, a imagem libertou-se, separou-se dos objectos que a aprisionavam, eles próprios prisioneiros da lógica da rendibilidade. Uma nova plasticidade é produzida pelas imagens, que na sua leveza e movimento arrastam, com leveza e sem violência, o real. O pensamento do século XX propôs uma outra configuração do pensar pela imagem, desenvolvendo métodos como os de mosaico, de caleidoscópio, de paradigma, de mapa, de atlas, de arquivo, de arquipélago, e até de floresta ou de montanha, como nos ensinou Aldo Leopoldo. Esta nova semântica da imagem, depois de milénios de destituição pelo platonismo, significa estar à escuta da máxima de Giordano Bruno de que «pensar é especular com imagens». Em suma, a constelação em acto neste livro é magnetizada por uma certa ideia da técnica enquanto acontecimento decisivo, e cada ensaio aqui reunido corresponde a uma refracção dessa ideia num problema por ela suscitado, passando pela arte, o corpo, a fotografia e a técnica propriamente dita. Tem como único objectivo que um certo pensar se materialize, que este livro o transporte consigo e, seguindo o seu curso, encontre os seus próximos ou não. [José Bragança de Miranda] -
Cartoons - 1969-1992O REGRESSO DOS ICÓNICOS CARTOONS DE JOÃO ABEL MANTA Ao fim de 48 anos, esta é a primeira reedição do álbum Cartoons 1969‑1975, publicado em Dezembro de 1975, o que significa que levou quase tanto tempo a que estes desenhos regressassem ao convívio dos leitores portugueses como o que durou o regime derrubado pela Revolução de Abril de 1974.Mantém‑se a fidelidade do original aos cartoons, desenhos mais ou menos humorísticos de carácter essencialmente político, com possíveis derivações socioculturais, feitos para a imprensa generalista. Mas a nova edição, com alguns ajustes, acrescenta «todos os desenhos relevantes posteriores a essa data e todos os que, por razões que se desconhece (mas sobre as quais se poderá especular), foram omitidos dessa primeira edição», como explica o organizador, Pedro Piedade Marques, além de um aparato de notas explicativas e contextualizadoras. -
Siza DesignUma extensa e pormenorizada abordagem à obra de design do arquiteto Álvaro Siza Vieira, desde as peças de mobiliário, de cerâmica, de tapeçaria ou de ourivesaria, até às luminárias, ferragens e acessórios para equipamentos, apresentando para cada uma das cerca de 150 peças selecionadas uma detalhada ficha técnica com identificação, descrição, materiais, empresa distribuidora e fotografias, e integrando ainda um conjunto de esquissos originais nunca publicados e uma entrevista exclusiva ao arquiteto.CoediçãoArteBooks DesignCoordenação Científica + EntrevistaJosé Manuel PedreirinhoDesign GráficoJoão Machado, Marta Machado -
Design e Risco de MudançaDesign e Risco de Mudança lança-nos interrogações múltiplas que se prendem, desde logo, com o próprio título: qual o risco a que se refere Victor Margolin? O Design, enquanto disciplina charneira entre um número crescente de áreas do saber, pode assumir-se como polo agregador e diversificador, acrescendo e aprofundando as redes de comunicação, gerando sinapses de qualidade. Estas dependem das interrogações e das escolhas que o Design opera. Assim, deveremos interrogar-nos sobre quem faz as escolhas e com que pressupostos são feitas, já que cada caminho é consonante com uma visão do mundo que, segundo a especificidade de cada designer, se manifesta na sua vida e se espelha no trabalho.CoediçãoVerso da HistóriaCoordenação EditorialRosa Alice BrancoPrefácioEduardo Corte-Real


