O Amanhã Não Existe - Inquietação Insular e Figuração Satírica em José Martins Garcia
Esta obra tem como origem a Dissertação de Urbano Bettencourt apresentada à Universidade dos Açores em 2013, com vista à obtenção do grau de doutor em Estudos Portugueses. Nela se aborda a inquietação insular e a sátira na narrativa de Martins Garcia, considerando a sua particular expressão e a articulação de ambas com determinada representação do tempo e do espaço insulares, que têm uma presença de relevo na sua ficção. A opção por estas duas linhas de análise representa ainda o seguimento de alguns posicionamentos de Martins Garcia, na sua qualidade de escritor, mas também enquanto ensaísta: o trabalho analítico e crítico por ele consagrado à literatura açoriana, sob a perspectiva da açorianidade literária, fornece propostas de leitura que podem igualmente ser aplicadas ao estudo da obra do autor – e, quanto a esta, foi ele próprio a reclamar para si o estatuto de autor satírico.
| Editora | Companhia das Ilhas |
|---|---|
| Coleção | transeatlântico |
| Categorias | |
| Editora | Companhia das Ilhas |
| Negar Chronopost e Cobrança | Não |
| Autores | Urbano Bettencourt |
Urbano Bettencourt (Piedade, ilha do Pico, 1949) é um dos intelectuais de maior destaque na vida cultural dos Açores. A sua obra, iniciada em 1972, contempla o ensaísmo, a poesia e a prosa de ficção. Como ensaísta, tem um trabalho continuado sobre a literatura feita nos Açores, e também um olhar informado sobre o que acontece na área da Macaronésia (Madeira, Canárias e Cabo Verde), em livro e em revistas da especialidade (nacionais e estrangeiras) e na imprensa açoriana. Na ficção e na poesia, publicou cerca de duas dezenas de títulos. Parte da sua produção literária tem sido traduzida no estrangeiro, quer em obras autónomas, quer em antologias.
É Licenciado em Filologia Românica pela Faculdade de Letras de Lisboa e Doutorado em Estudos Portugueses pela Universidade dos Açores. Actualmente, é investigador do CIERL-UMa e do CEHu-UAc.
A Companhia das Ilhas iniciou em 2020 a publicação da sua Obra Completa, com Sala de Espelhos.
Obras publicadas:
Poesia e narrativa: Raiz de mágoa (1972); Marinheiro com residência fixa (1980); Naufrágios inscrições (1987); Algumas das cidades (1995); Lugares sombras e afectos (2005); Santo Amaro sobre o mar (2005; 2.ª ed, 2009); Antero (2006); Que paisagem apagarás (2010); África frente e verso (2012), Outros nomes, outras guerras (Companhia das Ilhas, 2013). Está representado em diversas antologias no país e no estrangeiro (Brasil, Canadá, Estados Unidos da América, Eslováquia, Hungria e Letónia).
Ensaio: O gosto das palavras, 3 vols. (1983, 1995, 1999); Emigração e literatura (1989); De Cabo Verde aos Açores – à luz da «Claridade» (1998); Ilhas conforme as circunstâncias (2003).
Tem dezenas de ensaios dispersos em jornais e revistas da especialidade e em obras de conjunto, dentro e fora do país.
Entre 2006 e 2009, coordenou com Carlos Alberto Machado a colecção Biblioteca Açoriana (Lajes do Pico).
Colaborou na edição das seguintes antologias de poesia açoriana: Caminhos do Mar. Antologia Poética Açoriano-Catarinense (com Lauro Junkes e Osmar Pisani), Florianópolis, Santa Catarina, 2005; Pontos Luminosos. Açores e Madeira-Antologia Poética do Século XX (com Maria Aurora Homem e Diana Pimentel), 2006; Azoru Salu. Dzejas antologija (com Leons Briedis), Riga, Letónia, 2009.
-
Com Navalhas e NaviosO desencanto, a melancolia e as perdas que perpassam pelos versos de Urbano são esse misto de geografia e história, parábolas da condição humana. Contá-las, mesmo que elipticamente, é um modo de registar poeticamente um tempo, um lugar, uma cultura, uma tradição comuns a várias gerações e ao que vulgarmente se designa de alma humana, sintetizando e deixando memória de uma resiliência, até contra os chavões com que nos querem aprisionar e cegar: “Onde for o lugar de tudo isto e a memória / desse lugar, / aí encontrarás a raiz exacta / das palavras, / a seiva / de que a vida se sustenta.” O título desta colectânea, Com navalhas e navios, onde se deixa um livro e vários poemas de fora, numa obra já de si bastante breve, constitui, pois, não só o balanço de perto de meio século de escrita poética, como dá bem a medida de uma tensão entre os tumultos interiores e as metáforas que exprimem as dinâmicas do que se observa, sonha, pensa e sente, numa luta constante entre o sofrimento e a alegria, entre as “manhas do tempo”, “uivos /e fantasmas” e “as sílabas que estremecem sob a pele / ao rumor do vento” ou “as palavras afundadas no abismo do corpo”, todos esses “sedimentos, o secreto / fulgor das mais antigas fundações”. Podendo mesmo, de quando em quando, entregar o seu estro ao humor “deletor ou deletante”, “transformando o deletor / na matéria deletada”.Carlos Bessa (do Prefácio)Prefácio de Carlos Bessa -
Sala de EspelhosSeguindo-se a Com Navalhas e Navios (Companhia das Ilhas, 2019), que recolhe toda a sua poesia, Sala de Espelhos reúne um conjunto de ensaios sobre literatura açoriana e lançando ainda um breve olhar sobre outras literaturas insulares atlânticas, da Madeira, das Canárias e de Cabo Verde. Dispostos em sequência cronológica, os ensaios perfazem um percurso que começa no século XIX e vem até alguns autores mais recentes, do século XXI, entre os considerados clássicos açorianos e os novos, já com um espaço delimitado no universo literário, estabelecendo ainda momentos fortes desse percurso e por articulação com os diferentes espaços insulares: o fim do século XIX na Horta, os anos 40-50 em Ponta Delgada e os anos 60 em Angra (numa delimitação muito aproximativa). O trabalho de Urbano Bettencourt obedece a uma metodologia que combina a análise textual com a indagação das condições materiais que possibilitam a existência da literatura na sua dimensão institucional, isto é, tendo em conta os factores que asseguram a circulação e a divulgação das obras, a sua valorização crítica e social, e trazendo assim um contributo de relevo para a história literária e cultural dos Açores. Com a publicação de Sala de Espelhos, a Companhia das Ilhas (Lajes do Pico) dá início à edição da obra completa de Urbano Bettencourt (Piedade, Pico, 1949). -
O Pequeno Livro Amarelo de Ernesto GregórioUrbano Bettencourt (ilha do Pico, 1949) reúne neste segundo volume das suas Obras na Companhia das Ilhas cerca de uma centena de textos breves, sob a forma de aforismos. São predominantemente de humor certeiro, por vezes corrosivo, onde o absurdo da nossa vida colectiva (e aqui e ali individual) encontra as correspondentes formas. «Ernesto Gregório ainda não tem biografia. E nada garante que venha a ter. A biografia, na verdade, é a construção mais anedótica dos bons escritores (quanto aos outros, pouco se sabe), oscilando entre a predestinação divina para uma carreira literária e a lamúria crónica de quem, desde o berço, teve de vencer barreiras para ganhar um lugar no arraial mundano das escritas. Ernesto Gregório não se situa em nenhum desses campos, lamentavelmente!» Obra não aconselhável a frequentadores de poleiros. A Companhia das Ilhas iniciou em 2020 a publicação da Obra Completa de Urbano Bettencourt, com Sala de Espelhos. -
O Inverno de PassagemUrbano Bettencourt (ilha do Pico, 1949) reúne neste terceiro volume das suas Obras na Companhia das Ilhas uma vintena de narrativas, mais extensas ou mais curtas, algumas inéditas, outras submetidas a revisão. Urbano Bettencourt é um (excelente) poeta e isso nota-se muito bem nestas narrativas – que em grande parte revisitam ficcionalmente a sua ilha natal, o Pico, o universo familiar, em especial, alargando contudo o seu poder de observação e de transfiguração criativa a outros universos geográficos ou temáticos. «E assim me entendo como ilhéu: sentado numa pedra, rodeado de mundos, imaginados, concretos, por todos os lados. E sem sentir que deva pedir desculpa por isso, seja a quem for.» A Companhia das Ilhas iniciou em 2020 a publicação da Obra Completa de Urbano Bettencourt, com Sala de Espelhos. -
Sala de EspelhosRecolhem-se neste livro alguns dos textos que Urbano Bettencourt foi escrevendo após a publicação de Ilhas conforme as circunstâncias (2003). Resultantes de solicitações diversas – colóquios, palestras, a participação em volume colectivo, etc. – eles compõem um quadro heterogéneo e a que uma (aproximativa) disposição cronológica possibilita agora uma leitura sequencial. Trata-se, em último caso, de um livro sobre literatura (e cultura) açoriana, com uma deriva à de Cabo Verde, da Madeira e das Canárias. Por outro lado, o autor pretende também assinalar a continuidade de uma prática literária, mesmo graças a autores que, podendo não ter em cada caso nem a visibilidade nem o valor representativo e estético de outros, asseguram o fio que se estende ao longo do tempo, preenchendo aquele espaço intermédio que por vezes escapa ao olhar mais preocupado com figuras cimeiras, com os postes. Urbano Bettencourt (Piedade, ilha do Pico, 1949) é um dos intelectuais de maior destaque na vida cultural dos Açores. A sua obra, iniciada em 1972, contempla o ensaísmo, a poesia e a prosa de ficção. Como ensaísta, tem um trabalho continuado sobre a literatura feita nos Açores, e também um olhar informado sobre o que acontece na área da Macaronésia (Madeira, Canárias e Cabo Verde), em livro e em revistas da especialidade (nacionais e estrangeiras) e na imprensa açoriana. Na ficção e na poesia, publicou cerca de duas dezenas de títulos. Parte da sua produção literária tem sido traduzida no estrangeiro, quer em obras autónomas, quer em antologias. É Licenciado em Filologia Românica pela Faculdade de Letras de Lisboa e Doutorado em Estudos Portugueses pela Universidade dos Açores. A Companhia das Ilhas iniciou em 2020 a publicação da sua Obra Completa. -
Antes que o Mar se RetirePoesia reunida (1972-2022).Falamos de uma voz poética que se autonomizou por conjugar de modo muito pessoal uma série de forças condutoras às vezes tidas por contrárias e que dificilmente se articulariam senão por vigor de um engenho oficinal árduo e lapidado. Se atentarmos à sua diversidade formal, capaz de oscilar do compasso popular e repentista e estender-se ao narrativo, entretecido e quase ensimesmado, absorto no seu labirinto de referências, a unidade dessa voz é equívoca – tal como o tempo, ela faz-se com «máscaras múltiplas» e a sua integridade reside no conflito consigo própria. (…) Avessa ao dogma e à verdade insofismável, só consegue revelar-se na contínua morfose que sobre si mesma exerce.Leonardo Sousa, do Posfácio
-
Para Tão Curtos Amores, Tão Longa VidaNuma época e num país como o nosso, em que se regista um número muito elevado de divórcios, e em que muitos casais preferem «viver juntos» a casar-se, dando origem nas estatísticas a muitas crianças nascidas «fora do casamento», nesta época e neste país a pergunta mais próxima da realidade não é por que duram tão pouco tantos casamentos, mas antes: Por que é que há casamentos que duram até à morte dos cônjuges? Qual é o segredo? Há um segredo nisso? Este novo livro de Daniel Sampaio, que traz o título tão evocativo: Para Tão Curtos Amores, Tão Longa Vida, discute as relações afetivas breves e as prolongadas, a monogamia e a infidelidade, a importância da relação precoce com os pais e as vicissitudes do amor. Combinando dois estilos, o ficcional e o ensaístico, que domina na perfeição, o autor traz perante os nossos olhos, de modo muito transparente e sem preconceitos, tão abundantes nestas matérias, os problemas e dificuldades dos casais no mundo de hoje, as suas vitórias e derrotas na luta permanente para manterem viva a sua união.Um livro para todos nós porque (quase) todos nós, mais tarde ou mais cedo, passamos por isso. -
Sobre as MulheresSobre as Mulheres é uma amostra substancial da escrita de Susan Sontag em torno da questão da mulher. Ao longo dos sete ensaios e entrevistas (e de uma troca pública de argumentos), são abordados relevantes temas, como os desafios e a humilhação que as mulheres enfrentam à medida que envelhecem, a relação entre a luta pela libertação das mulheres e a luta de classes, a beleza, o feminismo, o fascismo, o cinema. Ao fim de cinquenta anos – datam dos primeiros anos da década de 1970 –, estes textos não envelheceram nem perderam pertinência. E, no seu conjunto, revelam a curiosidade incansável, a precisão histórica, a solidez política e o repúdio por categorizações fáceis – em suma, a inimitável inteligência de Sontag em pleno exercício.«É um deleite observar a agilidade da mente seccionando através da flacidez do pensamento preguiçoso.» The Washington Post«Uma nova compilação de primeiros textos de Sontag sobre género, sexualidade e feminismo.» Kirkus Reviews -
A Vida na SelvaHá quem nasça para o romance ou para a poesia e se torne conhecido pelo seu trabalho literário; e quem chegue a esse ponto depois de percorrer um longo caminho de vida, atravessando os escolhos e a complexidade de uma profissão, ou de uma passagem pela política, ou de um reconhecimento público que não está ligado à literatura. Foi o caso de Álvaro Laborinho Lúcio, que publicou o seu primeiro e inesperado romance (O Chamador) em 2014.Desde então, em leituras públicas, festivais, conferências e textos com destinos vários, tem feito uma viagem de que guarda memórias, opiniões, interesses, perguntas e respostas, perplexidades e reconhecimentos. Estes textos são o primeiro resumo de uma vida com a literatura – e o testemunho de um homem comprometido com as suas paixões e o diálogo com os outros. O resultado é comovente e tão inesperado como foi a publicação do primeiro romance. -
O Infinito num JuncoA Invenção do livro na antiguidade e o nascer da sede dos livros.Este é um livro sobre a história dos livros. Uma narrativa desse artefacto fascinante que inventámos para que as palavras pudessem viajar no tempo e no espaço. É o relato do seu nascimento, da sua evolução e das suas muitas formas ao longo de mais de 30 séculos: livros de fumo, de pedra, de argila, de papiro, de seda, de pele, de árvore, de plástico e, agora, de plástico e luz.É também um livro de viagens, com escalas nos campos de batalha de Alexandre, o Grande, na Villa dos Papiros horas antes da erupção do Vesúvio, nos palácios de Cleópatra, na cena do homicídio de Hipátia, nas primeiras livrarias conhecidas, nas celas dos escribas, nas fogueiras onde arderam os livros proibidos, nos gulag, na biblioteca de Sarajevo e num labirinto subterrâneo em Oxford no ano 2000.Este livro é também uma história íntima entrelaçada com evocações literárias, experiências pessoais e histórias antigas que nunca perdem a relevância: Heródoto e os factos alternativos, Aristófanes e os processos judiciais contra humoristas, Tito Lívio e o fenómeno dos fãs, Sulpícia e a voz literária de mulheres.Mas acima de tudo, é uma entusiasmante aventura coletiva, protagonizada por milhares de personagens que, ao longo do tempo, tornaram o livro possível e o ajudaram a transformar-se e evoluir – contadores de histórias, escribas, ilustradores e iluminadores, tradutores, alfarrabistas, professores, sábios, espiões, freiras e monjes, rebeldes, escravos e aventureiros.É com fluência, curiosidade e um permanente sentido de assombro que Irene Vallejo relata as peripécias deste objeto inverosímil que mantém vivas as nossas ideias, descobertas e sonhos. E, ao fazê-lo, conta também a nossa história de leitores ávidos, de todo o mundo, que mantemos o livro vivo.Um dos melhores livros do ano segundo os jornais El Mundo,La Vanguardia e The New York Times(Espanha). -
O Anticrítico«O Anticrítico» é uma compilação dos ensaios de Diogo Vaz Pinto — textos de crítica literária, e não só —, escritos entre 2014 e 2023, incluindo alguns inéditos. «Não tenho conta para as vezes todas em que, para ir com a rábula insultuosa que me tecem, pegando uns onde outros deixaram, numa cooperativa de imbecis que, sinceramente, me comove, já me quiseram tirar a condição que vem de tudo o que faço. Mais difícil seria desmontar alguma coisa. Resta que, ou ignoram muito vermelhuscos, ou a ideia é revogar-me a carta, licença, prostrar-me na indigência de eu ser uma qualquer abominação, «Bicho», monstro que ligam com tudo o que é baixo, e mesmo assim paira sobre eles sem explicação. Um Chernobyl encarnado. Crítico não sou. Ou só pseudo. Videirinho e jornaleiro, pilha-galinhas e o mais que eu coso bem ao meu estuporado currículo. Pois seja, eu fico então gordo disso tudo. E viro-me do avesso. Sou o anticrítico, então! Roubando esta de Augusto de Campos sem pudor. Há muito que não me retiram do sentido a ideia de que o principal é cortar com a impostura disto tudo. A gloríola da mediocridade, o sentido gregário, essa ratada ficção ligando os «egozinhos de porta-aberta» do nosso meio literato.» -
Terra QueimadaEnsaio profético e demolidor, TERRA QUEIMADA (2022) expõe a forma como o complexo internético se tornou «motor implacável de vício, solidão, falsas esperanças, crueldade, psicose, endividamento, vida desbaratada, corrosão da memória e desintegração social». Nele, Jonathan Crary faz uma crítica radical da digitalização do mundo e denuncia realidades inegáveis: a incompatibilidade entre um planeta habitável e a economia consumista e técnica, a atomização provocada pelas redes sociais, a era digital como fase terminal do capitalismo planetário. «Se é possível um futuro habitável e comum no nosso planeta», conclui, «esse futuro será offline, dissociado dos sistemas e da actividade do capitalismo 24/7, que destroem o mundo». -
Mário Cesariny e Antonio Tabucchi - Cartas e outros TextosFernando Cabral Martins: «O surrealismo português já tinha atingido no final dos anos sessenta uma definição que tornava possível, de um ponto de vista exterior, descomprometido, fazer uma avaliação de conjunto.» Antonio Tabucchi veio a Portugal no rasto de um poeta: Fernando Pessoa, ou melhor Álvaro de Campos, de quem lera por acaso o poema «Tabacaria». Quis aprender a língua do autor do poema e para isso inscreveu-se na cadeira de Língua e Literatura Portuguesa na Universidade de Pisa, que então frequentava. O seu mestre foi uma professora especial, bela, inteligente e culta, Luciana Stegagno Picchio. Antonio quis conhecer o país onde se falava aquela língua e ao qual pertencia aquele poeta e, na Primavera de 1965, com o seu Fiat 500, chegou a Portugal. Aí conheceu uma portuguesa com quem falou de Pessoa, e com quem continuou a trocar correspondência até ao ano seguinte, quando se tornaram namorados, vindo depois a casar (1970). Mas até lá, veio amiúde a Portugal […] e começou a interessar-se pelo Surrealismo português, sobre o qual havia muito pouco material crítico, praticamente nada, em vista da sua futura tese de licenciatura. Conheceu então (1967) dois membros ilustres daquele movimento, dois grandes poetas, Alexandre O’Neill e Mário Cesariny de Vasconcelos, com quem passou muitas horas, primeiro para os entrevistar e depois, com sempre maior intimidade, já com laços de amizade, só pelo prazer de estarem juntos. [Maria José de Lancastre] Esta é a história de um desencontro. Cesariny, como o surrealismo, considerava a universidade um inimigo, e Tabucchi, para todos os efeitos, era em 1971 um universitário. Mesmo se, no caso dele, havia por parte do poeta o agrado de ver como a sua poesia e o seu lugar no surrealismo português eram reconhecidos — pela primeira vez — por um leitor com a distância crítica e a óbvia inteligência de Antonio Tabucchi. Aqui, nos textos que documentam o contacto directo entre ambos do final dos anos 60, pode ver-se uma ilustração do modo como a história do surrealismo foi sendo feita, com que ritmo e a partir de que posições. E que implica a consciência, por parte do poeta, da importância do sentido que a crítica atribui à História, capaz (ou não) de tornar o passado digno do presente, ou vice- -versa. E manifesta, por parte do jovem crítico italiano, a intuição da grandeza de um movimento que evoluía na sombra, num carceral jardim à beira-mar. [Fernando Cabral Martins]
