O Monte Análogo
[…] é preciso sublinhar que este é um livro inacabado, o que em si não parece extraordinário: outros, nessa condição, puderam aceder ao cânone literário. Contudo, O Monte Análogo é o seu inacabamento. É certo que o desaparecimento de Daumal determina o estado final do manuscrito. Mas poderia uma tal narrativa ver o seu fim? Mais do que o simples facto biográfico, e porque tudo n’O Monte Análogo é questão de movimento, a interrupção do fio textual parece indiciar uma transposição da acção nele proposta; ou, melhor dito, uma renovação dos fios que aí prendem a acção ao discurso. Tudo isso se espelha, aliás, no que o próprio romance diz das origens do Monte e do seu povoamento: quase nada que não seja a continuidade de um impulso imemorial. Daí que, em vez de dar para uma ausência e uma incerteza, a inconclusão do texto pareça transportar consigo muitos dos movimentos que o ritmam, assegurando-lhes essa progressão lenta e segura que se adopta quando se estão a dar os primeiros passos de uma longa ascensão. Até dominarem essa passada, as personagens terão de aprender a «sinonímia da queda física e da queda moral» (Bachelard). As fendas dos glaciares vêm recordar ao alpinista, na terrível simplicidade do sonho de queda, essa angústia que lhe é necessária e
que o prepara para uma tal viagem.
Como parece inevitável, O Monte Análogo é a manifestação de uma relação ambígua com a grande tradição da viagem ocidental presente na Odisseia ou n’Os Lusíadas, para dar alguns exemplos seminais. Ela perpassa no texto, mas é constantemente objecto de uma translação onde a própria percepção cosmológica muda progressivamente de figura. Evidentemente, Daumal não será o único poeta do século XX a captar a difícil posição daquele que sonha partir.
[Jorge Leandro Rosa]
| Editora | Documenta |
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| Editora | Documenta |
| Negar Chronopost e Cobrança | Não |
| Autores | René Daumal |
René Daumal (Boulzicourt, 1908 - Paris, 1944) foi escritor, poeta, ensaísta e tradutor. Aos 6 anos é assaltado pela ideia de morte e pela angústia do absolutamente nada. Estas preocupações não lhe oferecem tréguas, e no início da adolescência, vê-se diante de outro dos seus maiores terrores: o desconhecido. Durante esta época leva a cabo um variado número de experiências numa tentativa de compreender a morte, os estados do sono e os diferentes níveis de consciência. Com estas experiências intui um outro mundo onde o pensamento supera os limites da linguagem discursiva. Em 1927 funda com Roger Gilbert-Lecomte, Roger Vaillant e Robert Meyrat, o movimento de investigação literária e filosófica Le Grand Jeu. Deste movimento surge uma revista com o mesmo nome, e na qual Daumal edita os primeiros poemas e ensaios. Logo no primeiro número o grupo manifesta a intenção de colocar todas as coisas em questão e de acreditar em todos os milagres. Daumal afasta-se do movimento Le Grand Jeu por volta de 1931, ao conhecer Alexandre de Salzmann, que lhe apresenta a escola do famoso «taumaturgo» e mestre espiritual Georgi Gurdjieff. O seu pensamento místico e modelo de conhecimento esotérico cativaram-no imediatamente. Grande admirador de Alfred Jarry, dedica-se à «ciência das soluções imaginárias e das leis que regulam as excepções» e «ao que está acima do que está além da física», publicando, entre 1934 e 1935, diferentes escritos patafísicos. Em 1936, é aclamado pela crítica com o livro de poesia O Contra-Céu.
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A Guerra Santa«Daumal identifica poema com mantra, fórmula sonora destinada, tal como a oração do Hesicasmo e a música sacra, a trazer de volta incessantemente o nosso olhar para o centro intolerável da nossa solidão.[…]Este poeta santo, na sua complexa simplicidade, rejeitava a apologética de um catolicismo modernista e sentimental, mas compunha, com austeridade e delicadeza, comentários cristianíssimos ao Livro de Horas, de Estienne Chevalier; rejeitava a psicanálise e toda a espécie de neo-espiritualismos, mas compunha poemas subterrâneos e espirituais, em combate e ascese (A Guerra Santa é um desses poemas); e disse não aos marxistas porque negam a mística; e disse não aos surrealistas porque crêem na mística sem nela ter fé misticamente.»António Barahona -
O Contra-CéuO Contra-Céu, conjunto de poemas reunidos e publicados durante a vida do autor, fala-nos sobre a possibilidade de uma morte programática, para a partir desta entender o que é o sujeito e a Vida. Neste livro, Daumal convida-nos a entrar num processo de regeneração a partir da negação de modo a alcançarmos a Palavra Primordial. Escrito aos 22 anos e editado em 1936, O Contra-Céu foi imediatamente aclamado pela crítica, levando-o a ganhar o Prémio Jacques Doucet, atribuído por André Gide, Paul Valéry e Jean Giraudoux. -
A Grande Bebedeira«A Grande Bebedeira , único romance de René Daumal publicado em vida do autor, começou a ser escrito em Nova Iorque, (...) em 1932-33. (...) A par da reflexão subjectiva e do desejo de transformação interior, está presente ao longo de todo o relato uma visão da sociedade da época, a sua crítica, e o desejo de a ver transformar-se. Deste ponto de vista, é particularmente interessante o panorama que nos é dado do mundo cultural, científico, religioso e político. (...) Trata-se de um romance muito centrado na realidade, mas onde esta é descrita de forma surrealista, num tom humorístico e paródico, com grande imaginação e um domínio total da língua e da linguagem, como é característico no estilo de Daumal.»Lurdes Júdice (2016) in "Apresentação"
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O Essencial Sobre José Saramago«Aquilo que neste livro se entende como essencial em José Saramago corresponde à sua específica identidade como escritor, com a singularidade e com as propriedades que o diferenciam, nos seus fundamentos e manifestações. Mas isso não é tudo. No autor de Memorial do Convento afirma-se também uma condição de cidadão e de homem político, pensando o seu tempo e os fenómenos sociais e culturais que o conformam. Para o que aqui importa, isso é igualmente essencial em Saramago, até porque aquela condição de cidadão não é estranha às obras literárias com as quais ela interage, em termos muito expressivos.» in Contracapa -
Confissões de um Jovem EscritorUmberto Eco publicou seu primeiro romance, O Nome da Rosa, em 1980, quando tinha quase 50 anos. Nestas suas Confissões, escritas cerca de trinta anos depois da sua estreia na ficção, o brilhante intelectual italiano percorre a sua longa carreira como ensaísta dedicando especial atenção ao labor criativo que consagrou aos romances que o aclamaram. De forma simultaneamente divertida e séria, com o brilhantismo de sempre, Umberto Eco explora temas como a fronteira entre a ficção e a não-ficção, a ambiguidade que o escritor mantém para que seus leitores se sintam livres para seguir o seu próprio caminho interpre tativo, bem como a capacidade de gerar neles emoções. Composto por quatro conferências integradas no âmbito das palestras Richard Ellmann sobre Literatura Moderna que Eco proferiu na Universidade Emory, em Atlanta, nos Estados Unidos, Confissões de um jovem escritor é uma viagem irresistível aos mundos imaginários do autor e ao modo como os transformou em histórias inesquecíveis para todos os leitores. O “jovem escritor” revela-se, afinal, um grande mestre e aqui partilha a sua sabedoria sobre a arte da imaginação e o poder das palavras. -
Sobre as MulheresSobre as Mulheres é uma amostra substancial da escrita de Susan Sontag em torno da questão da mulher. Ao longo dos sete ensaios e entrevistas (e de uma troca pública de argumentos), são abordados relevantes temas, como os desafios e a humilhação que as mulheres enfrentam à medida que envelhecem, a relação entre a luta pela libertação das mulheres e a luta de classes, a beleza, o feminismo, o fascismo, o cinema. Ao fim de cinquenta anos – datam dos primeiros anos da década de 1970 –, estes textos não envelheceram nem perderam pertinência. E, no seu conjunto, revelam a curiosidade incansável, a precisão histórica, a solidez política e o repúdio por categorizações fáceis – em suma, a inimitável inteligência de Sontag em pleno exercício.«É um deleite observar a agilidade da mente seccionando através da flacidez do pensamento preguiçoso.» The Washington Post«Uma nova compilação de primeiros textos de Sontag sobre género, sexualidade e feminismo.» Kirkus Reviews -
Para Tão Curtos Amores, Tão Longa VidaNuma época e num país como o nosso, em que se regista um número muito elevado de divórcios, e em que muitos casais preferem «viver juntos» a casar-se, dando origem nas estatísticas a muitas crianças nascidas «fora do casamento», nesta época e neste país a pergunta mais próxima da realidade não é por que duram tão pouco tantos casamentos, mas antes: Por que é que há casamentos que duram até à morte dos cônjuges? Qual é o segredo? Há um segredo nisso? Este novo livro de Daniel Sampaio, que traz o título tão evocativo: Para Tão Curtos Amores, Tão Longa Vida, discute as relações afetivas breves e as prolongadas, a monogamia e a infidelidade, a importância da relação precoce com os pais e as vicissitudes do amor. Combinando dois estilos, o ficcional e o ensaístico, que domina na perfeição, o autor traz perante os nossos olhos, de modo muito transparente e sem preconceitos, tão abundantes nestas matérias, os problemas e dificuldades dos casais no mundo de hoje, as suas vitórias e derrotas na luta permanente para manterem viva a sua união.Um livro para todos nós porque (quase) todos nós, mais tarde ou mais cedo, passamos por isso. -
A Vida na SelvaHá quem nasça para o romance ou para a poesia e se torne conhecido pelo seu trabalho literário; e quem chegue a esse ponto depois de percorrer um longo caminho de vida, atravessando os escolhos e a complexidade de uma profissão, ou de uma passagem pela política, ou de um reconhecimento público que não está ligado à literatura. Foi o caso de Álvaro Laborinho Lúcio, que publicou o seu primeiro e inesperado romance (O Chamador) em 2014.Desde então, em leituras públicas, festivais, conferências e textos com destinos vários, tem feito uma viagem de que guarda memórias, opiniões, interesses, perguntas e respostas, perplexidades e reconhecimentos. Estes textos são o primeiro resumo de uma vida com a literatura – e o testemunho de um homem comprometido com as suas paixões e o diálogo com os outros. O resultado é comovente e tão inesperado como foi a publicação do primeiro romance. -
Almoço de DomingoUm romance, uma biografia, uma leitura de Portugal e das várias gerações portuguesas entre 1931 e 2021. Tudo olhado a partir de uma geografia e de uma família.Com este novo romance de José Luís Peixoto acompanhamos, entre 1931 e 2021, a biografia de um homem famoso que o leitor há de identificar — em paralelo com história do país durante esses anos. No Alentejo da raia, o contrabando é a resistência perante a pobreza, tal como é a metáfora das múltiplas e imprecisas fronteiras que rodeiam a existência e a literatura. Através dessa entrada, chega-se muito longe, sem nunca esquecer as origens. Num percurso de várias gerações, tocado pela Guerra Civil de Espanha, pelo 25 de abril, por figuras como Marcelo Caetano ou Mário Soares e Felipe González, este é também um romance sobre a idade, sobre a vida contra a morte, sobre o amor profundo e ancestral de uma família reunida, em torno do patriarca, no seu almoço de domingo.«O passado tem de provar constantemente que existiu. Aquilo que foi esquecido e o que não existiu ocupam o mesmo lugar. Há muita realidade a passear-se por aí, frágil, transportada apenas por uma única pessoa. Se esse indivíduo desaparecer, toda essa realidade desaparece sem apelo, não existe meio de recuperá-la, é como se não tivesse existido.» «Os motoristas estão à espera, o brado da multidão mistura-se com o rugido dos motores. Antes de entrarmos, o Mário Soares aproxima-se de mim, correu tudo tão bem, e abraça-me com um par estrondosas palmadas no centro das costas. A coluna de carros avança devagar pelas ruas da vila. Tenho a garganta apertada, não consigo falar. Como me orgulha que Campo Maior seja a capital da península durante este momento.»«Autobiografia é um romance que desafia o leitor ao diluir fronteiras entre o real e o ficcional, entre espaços e tempos, entre duas personagens de nome José, um jovem escritor e José Saramago. Este é o melhor romance de José Luís Peixoto.»José Riço Direitinho, Público «O principal risco de Autobiografia era esgotar-se no plano da mera homenagem engenhosa, mas Peixoto evitou essa armadilha, ao construir uma narrativa que se expande em várias direções, acumulando camadas de complexidade.»José Mário Silva, Expresso -
Electra Nº 23A Atenção, tema de que se ocupa o dossier central do número 23 da revista Electra, é um recurso escasso e precioso e por isso objecto de uma guerra de concorrência sem tréguas para conseguir a sua captura. Nunca houve uma tão grande proliferação de informação, de produtos de consumo, de bens culturais, de acontecimentos que reclamam a atenção. Ela é a mercadoria da qual depende o valor de todas as mercadorias, sejam materiais ou imateriais, reais ou simbólicas. A Atenção é, pois, uma questão fundamental do nosso tempo e é um tópico crucial para o compreendermos. Sobre ela destacam-se neste dossier artigos e entrevistas de Yves Citton, Enrico Campo, Mark Wigley, Georg Franck e Claire Bishop. Nesta edição, na secção “Primeira Pessoa”, são publicadas entrevistas à escritora, professora e crítica norte-americana Svetlana Alpers (por Afonso Dias Ramos), cujo trabalho pioneiro redefiniu o campo da história da arte nas últimas décadas, e a Philippe Descola (por António Guerreiro), figura central da Antropologia, que nos fala de temas que vão desde a produção de imagens e das tradições e dos estilos iconográficos à questão da oposição entre natureza e cultura. A secção “Furo” apresenta um conjunto de desenhos e cartas inéditos da pintora Maria Helena Vieira da Silva. Em 1928, tinha vinte anos. Havia saído de Portugal para estudar arte em Paris e, de França, foi a Itália numa viagem de estudo. Durante esse percurso desenhou num caderno esboços rápidos do que via, e ao mesmo tempo, escrevia cartas à mãe para lhe contar as suas impressões e descobertas. Uma selecção destes desenhos e destas cartas, que estabelecem entre si um diálogo íntimo e consonante, é agora revelada. Na Electra 23, é publicada, na secção “Figura”, um retrato do grande poeta grego Konstandinos Kavafis, feito pelo professor e tradutor Nikos Pratsinis, a partir de oito perguntas capitais; é comentada, pelo escritor Christian Salmon, na secção “Passagens”, uma reflexão sobre a história trágica da Europa Central do consagrado romancista e ensaísta checo, Milan Kundera. Ainda neste número, o ensaísta e jornalista Sergio Molino dá-nos um mapa pessoal da cidade de Saragoça, em que a história e a geografia, a literatura e a arte se encontram; o jornalista e colunista brasileiro Marcelo Leite trata das investigações em curso desde os anos 90, com vista ao uso farmacológico e terapêutico dos psicadélicos; a escritora e veterinária María Sanchez constrói um diário que é atravessado por procuras e encontros, casas e viagens, livros e animais, terras e mulheres, amor e amizade; o arquitecto, investigador e curador chileno Francisco Díaz aborda a relação entre solo e terreno, a partir do projecto da Cidade da Cultura de Santiago de Compostela, da autoria de Peter Eisenman; o artista e ensaísta João Sousa Cardoso escreve sobre a obra do escultor Rui Chafes, revisitando três exposições e um livro apresentados durante o ano de 2023; e o dramaturgo Miguel Castro Caldas comenta a palavra “Confortável”.Vários -
Diário SelvagemEste «Diário Selvagem», «até aqui quase integralmente inédito, é um livro mítico, listado e discutido em inúmeras cartas e cronologias do autor, a que só alguns biógrafos e estudiosos foram tendo acesso».
