Pesadelo em Ar Condicionado
Após dez anos de desterro na Europa, Henry Miller regressa aos Estados Unidos para embarcar numa viagem de redescoberta das raízes e da alma do seu país. Pesadelo em Ar Condicionado (1945) é o relato dessa odisseia: sobre as ruínas do sonho americano, erguem-se indústrias hipócritas e cidades aberrantes, mecas de negócios, ganâncias e bugigangas, mortos-vivos enterrados em crédito e preconceitos, gente de cifrões nos olhos divorciada da terra que pisa e explora. E mesmo assim, nas brechas deste vazio estético e espiritual, despontam homens e mulheres que, como o autor, aguardam o desmoronar de um sistema doente, alienante, votado ao fracasso. Numa prosa desconcertantemente clarividente, da janela aberta do seu automóvel, Henry Miller faz o implacável retrato de um país que ainda hoje reconhecemos: um país de grandes esperanças, promessas traídas e insanáveis contradições.
| Editora | Antígona |
|---|---|
| Categorias | |
| Editora | Antígona |
| Negar Chronopost e Cobrança | Não |
| Autores | Henry Miller |
Henry Miller nasceu em Brooklyn, nos Estados Unidos da América, a 26 de dezembro de 1891. Em 1930, respondendo a um espírito aventureiro e ao desejo de se dedicar à escrita, partiu para a Europa e fixou-se em Paris. Foi aí que, em 1934, publicou o seu primeiro romance autobiográfico, Trópico de Câncer, a que se seguiu, em 1939, Trópico de Capricórnio, ambos banidos durante quase três décadas nos Estados Unidos. Em 1942, pouco depois de se instalar definitivamente na Califórnia, iniciou a redação da trilogia Rosa-Crucificação, Sexus, Plexus, Nexus, considerada uma das suas obras maiores, onde conjuga reflexão metafísica com um erotismo explícito. Miller foi um dos mais marcantes autores americanos do século xx, cuja insubmissão, quer na vida, quer na literatura, viria a influenciar fortemente a chamada beat generation. Faleceu em casa a 7 de junho de 1980.
-
Trópico de CâncerProibido durante cerca de 30 anos nos Estados Unidos e no Reino Unido, Trópico de Câncer foi publicado originalmente em 1934. Eleito um clássico de literatura erótica desconstruiu tabus e desmistificou convenções no seu pouco apologético caminho em busca do desejo. Muitas vezes considerado pornográfico e obsceno, Trópico de Câncer evidencia uma sexualidade despojada, longe de amarras e preconceitos, sendo auto-designado pelo escritor como «um insulto prolongado, um escarro no rosto da Arte». Não somente a Arte se pode ter sentido beliscada como a generalidade dos homens do seu tempo, presos às regras ditadas pela sociedade e que viam em Trópico de Câncer um desafiar dos valores impostos e aceites pela sociedade. A linguagem sem freio, os temas invariavelmente de cama e o retrato das personagens pouco ortodoxo, muitas vezes ridicularizadas por uma crítica contundente e sem moral, projectaram Miller como alguém à frente do seu tempo, porventura um pouco desajustado, facto esse que o levou a viver em Paris, ex-libris das capitais, que considerava um local onde se mesclam as cidades da Europa e da América Central, e onde o escritor vivia sem recursos ou dinheiro. Miller auto-designava-se um artista que se deixava conduzir à mercê das contrariedades e das alegrias da vida. A primeira impressão de Trópico de Câncer foi aliás financiada por Anaïs Nin, sua amante, que acreditava nos seus desígnios. Narrado na primeira pessoa, o livro relata ficticiamente as aventuras de Miller entre prostitutas, proxenetas, pintores sem dinheiro e escritores do submundo parisiense. Controverso e muito peculiar, Henry Miller ergue um hino ao mundo da sexualidade e da liberdade nas suas formas extremas e garante incondicionalmente um lugar no panteão dos maiores escritores mundiais do século XX. -
Trópico de CapricórnioA última vez que em Portugal se editou Trópico de Capricórnio data de 1980. Passados largos anos, a Editorial Presença inaugurou, em 2008, a colecção «Obras Literárias Escolhidas», que integra obras de grande qualidade do século XX, que se tornaram clássicos recentes e que se destacaram tanto pela novidade dos temas como por constituírem momentos de ruptura, acompanhando novas formas de pensar o mundo. Nesta colecção, onde constam Trópico de Câncer, de Henry Miller e Os Anos, de Virginia Woolf, a Editora considerou inevitável publicar igualmente Trópico de Capricórnio. Escrito em 1939, Trópico de Capricórnio assume-se como a sequela de Trópico de Câncer, o primeiro livro de Miller, publicado em 1934. É um romance semi--autobiográfico que foi proibido nos Estados Unidos até que, em 1961, o Ministério da Justiça o autorizou, levantando a ideia de que era um livro obsceno. Ambientado em Nova Iorque, na década de 20 do século XX, revisita uma cidade onde o narrador, cuja vida é em quase tudo paralela à do próprio Henry Miller, se sente claustrofóbico, preso às expectativas superficiais da sociedade e condenado a tornar-se mais uma peça do sistema. Apesar das experiências vividas pelo narrador e pelo autor serem semelhantes, a obra é considerada ficcional. -
O Big Sur e as Laranjas de Jerónimo BoschHenry Miller regressou aos Estados Unidos no início dos anos 40, fixando-se no paradisíaco Big Sur, na costa da Califórnia. O Big Sur e as Laranjas de Jerónimo Bosch é a primeira obra que Miller escreve depois de se ter fixado naquela região. Embora composta de textos distintos retrata na sua maior parte a vida do autor, as suas relações familiares, amizades, e as pessoas que procuravam aquela região paradisíaca. Um dos capítulos daria origem à obra Um Diabo no Paraíso. O livro é, acima de tudo, uma obra de maturidade, que reflecte uma plena liberdade interior. -
SexusTerá sido numa quinta-feira à noite. Ele, a caminho dos trinta e três anos, funcionário numa empresa telegráfica e friamente casado, conheceu-a no salão de baile. De um momento para o outro, estava arrebatado de paixão e com a certeza de que uma nova vida se abria à sua frente: bastava que tivesse coragem para arriscar tudo. Sexus é com efeito uma história de risco, de provocação, uma prosa vibrante, plena de carne e espírito, um relato de aventuras sexuais e literárias que se estenderão de Brooklyn até à boémia Paris dos anos de 1930. Primeiro volume da trilogia Rosa-Crucificação, autobiografia ficcionada cuja escrita Henry Miller manteve ao longo de mais de uma década, este título foi publicado em França em 1949 e durante anos circulou clandestinamente por grande parte do mundo, onde foi proibido por imoralidade. Nas palavras de João Palma-Ferreira, prefaciador da edição portuguesa, estamos perante «uma obra-prima de todas as épocas».Um texto magistral de um autor que é um agitador de consciências, «um indisciplinador desejoso de que o homem se descubra finalmente, sem reticências e sem pactuações com o indiferentismo meramente formal». -
Os Livros da Minha VidaO principal objectivo da publicação desta obra é prestar homenagem a um autor que viveu mais do que leu e que classifica como inimigos da humanidade aqueles que enchem a pança de clássicos, ou seja, os homens-burros carregados de livros e fiéis agentes dos produtores de lixo. Henry Miller insere-se numa estirpe de homens que nunca se extingue. Neles mora a reserva oculta que faz de certos livros a mais potente via de comunicação entre os seres humanos, libertando-os da ignorância. Escrito em 1952, Os Livros da minha Vida, agora editado pela primeira vez em Portugal, ainda nos surpreende pela defesa actual da urgência de viver. -
O Tempo dos Assassinos: um estudo sobre RimbaudSó a perfeição pode apagar a memória de uma ferida que corre mais fundo do que a torrente da vida. Em 1927, na cave de um sórdido prédio de Brooklyn, Henry Miller ouvia pela primeira vez o nome de Rimbaud. Anos depois, em Los Angeles, escrevia febrilmente versos do poeta nas paredes da casa que habitava, e, em 1945, surgiam as primeiras linhas d O Tempo dos Assassinos (1946), um dos mais apaixonantes estudos sobre o poète maudit . Em plena era atómica, no precipício da aniquilação, a identificação entre os dois gigantes da literatura subversiva foi fulminante, e Miller ouvira em Rimbaud o apelo de um profeta do colapso da civilização, de um pária como ele, revendo-se na revolta contra o mundo, nas adversidades e na itinerância do seu escritor predilecto. Fundindo biografia e reflexão, O Tempo dos Assassinos , a pretexto da vida de Rimbaud, explora a função social e os dilemas do artista de génio que se recusa a ceder a uma era em que a sociedade sufoca o vital instinto criador. -
PlexusPLEXUS é o romance central da trilogia Rosa-Crucificação, iniciada com SEXUS. Relato ficcionado da frenética e extraordinária vida de Henry Miller com a sua sensual segunda mulher, Mona, em Nova Iorque, é um testemunho da caótica metamorfose do autor e do seu absoluto amor pela vida. Encorajado por Mona e ansioso por se dedicar à escrita, Henry Miller abandona o seu emprego estável na Companhia Telegráfica Cosmodemónica. O quotidiano transforma-se então numa inglória mas sempre criativa luta pela sobrevivência, em que ambos são desesperadamente pobres e absurdamente felizes. Nos seus relatos de uma vida simultaneamente sublime e miserável, PLEXUS é, acima de tudo, uma história de amor o amor incondicional e obsessivo que Miller sente por Mona, apesar dos seus defeitos; pela vida, apesar dos seus muitos reveses; e pela língua inglesa. Publicado originalmente em Paris em 1953 e proibido nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha durante quase quinze anos, PLEXUS é uma erótica celebração de uma vida dissoluta. -
O Colosso de MaroussiEste é aquele que Henry Miller considerava como o seu melhor livro. Aqui, quase tudo é hiperbólico. Entre dias ao relento na praia, aldeias com um único forno para toda a população e peregrinações à Acrópole de Atenas, Miller descobriu na Grécia o sentido da civilização. -
O Sorriso ao Pé das EscadasEmbora inconscientemente, nem sempre o tenha sabido, o palhaço exerce sobre mim uma atracção profunda, justamente porque está separado do mundo pelo riso. O seu riso nada tem de fantástico, é apenas um riso silencioso, o que nós chamamos um riso sem alegria. O palhaço espantosamente ensina-nos a rir de nós próprios. [ ] O circo não passa de uma arena pequena fechada e um lugar de esquecimento.Durante alguns instantes permite que nos abandonemos, que nos desfaçamos em maravilha e felicidade, transportados pelo mistério. Saímos de lá como que envolvidos numa neblina, entristecidos e horrorizados pela face quotidiana do mundo. Mas este velho mundo quotidiano, este mundo com o qual julgamos estar por de mais familiarizados, é o único que existe e é um mundo de magia, de magia inesgotável. Como o palhaço, vamos fazendo as nossas piruetas, aparentando sempre, adiando sempre o grande acontecimento. Morremos a lutar para nascer, pois nunca fomos e nunca somos. Estamos sempre na relatividade de vir a ser, separados, desligados sempre. Sempre do lado de fora da vida. [ ] Eu desejava que o meu herói deixasse este mundo como o fenecer da luz. Mas não para a morte.Gostaria que a sua morte iluminasse o caminho. Não a via como o fim de tudo, mas como o princípio. Quando Augusto se torna ele próprio, a vida começa e não só para Augusto: para toda a humanidade.(Do Epílogo) -
Viragem aos Oitenta - Seguida de Viagem a uma Terra AntigaSão as pequenas coisas que contam, não a fama, o êxito ou a riqueza. No topo, há muito pouco espaço enquanto em baixo há muitos como você, não há enchentes nem ninguém para o provocar. Não pense , nem por um momento , que a vida de um génio é feliz. Longe disso. Seja grato por ser ninguém.
-
Para Tão Curtos Amores, Tão Longa VidaNuma época e num país como o nosso, em que se regista um número muito elevado de divórcios, e em que muitos casais preferem «viver juntos» a casar-se, dando origem nas estatísticas a muitas crianças nascidas «fora do casamento», nesta época e neste país a pergunta mais próxima da realidade não é por que duram tão pouco tantos casamentos, mas antes: Por que é que há casamentos que duram até à morte dos cônjuges? Qual é o segredo? Há um segredo nisso? Este novo livro de Daniel Sampaio, que traz o título tão evocativo: Para Tão Curtos Amores, Tão Longa Vida, discute as relações afetivas breves e as prolongadas, a monogamia e a infidelidade, a importância da relação precoce com os pais e as vicissitudes do amor. Combinando dois estilos, o ficcional e o ensaístico, que domina na perfeição, o autor traz perante os nossos olhos, de modo muito transparente e sem preconceitos, tão abundantes nestas matérias, os problemas e dificuldades dos casais no mundo de hoje, as suas vitórias e derrotas na luta permanente para manterem viva a sua união.Um livro para todos nós porque (quase) todos nós, mais tarde ou mais cedo, passamos por isso. -
Sobre as MulheresSobre as Mulheres é uma amostra substancial da escrita de Susan Sontag em torno da questão da mulher. Ao longo dos sete ensaios e entrevistas (e de uma troca pública de argumentos), são abordados relevantes temas, como os desafios e a humilhação que as mulheres enfrentam à medida que envelhecem, a relação entre a luta pela libertação das mulheres e a luta de classes, a beleza, o feminismo, o fascismo, o cinema. Ao fim de cinquenta anos – datam dos primeiros anos da década de 1970 –, estes textos não envelheceram nem perderam pertinência. E, no seu conjunto, revelam a curiosidade incansável, a precisão histórica, a solidez política e o repúdio por categorizações fáceis – em suma, a inimitável inteligência de Sontag em pleno exercício.«É um deleite observar a agilidade da mente seccionando através da flacidez do pensamento preguiçoso.» The Washington Post«Uma nova compilação de primeiros textos de Sontag sobre género, sexualidade e feminismo.» Kirkus Reviews -
A Vida na SelvaHá quem nasça para o romance ou para a poesia e se torne conhecido pelo seu trabalho literário; e quem chegue a esse ponto depois de percorrer um longo caminho de vida, atravessando os escolhos e a complexidade de uma profissão, ou de uma passagem pela política, ou de um reconhecimento público que não está ligado à literatura. Foi o caso de Álvaro Laborinho Lúcio, que publicou o seu primeiro e inesperado romance (O Chamador) em 2014.Desde então, em leituras públicas, festivais, conferências e textos com destinos vários, tem feito uma viagem de que guarda memórias, opiniões, interesses, perguntas e respostas, perplexidades e reconhecimentos. Estes textos são o primeiro resumo de uma vida com a literatura – e o testemunho de um homem comprometido com as suas paixões e o diálogo com os outros. O resultado é comovente e tão inesperado como foi a publicação do primeiro romance. -
O Infinito num JuncoA Invenção do livro na antiguidade e o nascer da sede dos livros.Este é um livro sobre a história dos livros. Uma narrativa desse artefacto fascinante que inventámos para que as palavras pudessem viajar no tempo e no espaço. É o relato do seu nascimento, da sua evolução e das suas muitas formas ao longo de mais de 30 séculos: livros de fumo, de pedra, de argila, de papiro, de seda, de pele, de árvore, de plástico e, agora, de plástico e luz.É também um livro de viagens, com escalas nos campos de batalha de Alexandre, o Grande, na Villa dos Papiros horas antes da erupção do Vesúvio, nos palácios de Cleópatra, na cena do homicídio de Hipátia, nas primeiras livrarias conhecidas, nas celas dos escribas, nas fogueiras onde arderam os livros proibidos, nos gulag, na biblioteca de Sarajevo e num labirinto subterrâneo em Oxford no ano 2000.Este livro é também uma história íntima entrelaçada com evocações literárias, experiências pessoais e histórias antigas que nunca perdem a relevância: Heródoto e os factos alternativos, Aristófanes e os processos judiciais contra humoristas, Tito Lívio e o fenómeno dos fãs, Sulpícia e a voz literária de mulheres.Mas acima de tudo, é uma entusiasmante aventura coletiva, protagonizada por milhares de personagens que, ao longo do tempo, tornaram o livro possível e o ajudaram a transformar-se e evoluir – contadores de histórias, escribas, ilustradores e iluminadores, tradutores, alfarrabistas, professores, sábios, espiões, freiras e monjes, rebeldes, escravos e aventureiros.É com fluência, curiosidade e um permanente sentido de assombro que Irene Vallejo relata as peripécias deste objeto inverosímil que mantém vivas as nossas ideias, descobertas e sonhos. E, ao fazê-lo, conta também a nossa história de leitores ávidos, de todo o mundo, que mantemos o livro vivo.Um dos melhores livros do ano segundo os jornais El Mundo,La Vanguardia e The New York Times(Espanha). -
O Anticrítico«O Anticrítico» é uma compilação dos ensaios de Diogo Vaz Pinto — textos de crítica literária, e não só —, escritos entre 2014 e 2023, incluindo alguns inéditos. «Não tenho conta para as vezes todas em que, para ir com a rábula insultuosa que me tecem, pegando uns onde outros deixaram, numa cooperativa de imbecis que, sinceramente, me comove, já me quiseram tirar a condição que vem de tudo o que faço. Mais difícil seria desmontar alguma coisa. Resta que, ou ignoram muito vermelhuscos, ou a ideia é revogar-me a carta, licença, prostrar-me na indigência de eu ser uma qualquer abominação, «Bicho», monstro que ligam com tudo o que é baixo, e mesmo assim paira sobre eles sem explicação. Um Chernobyl encarnado. Crítico não sou. Ou só pseudo. Videirinho e jornaleiro, pilha-galinhas e o mais que eu coso bem ao meu estuporado currículo. Pois seja, eu fico então gordo disso tudo. E viro-me do avesso. Sou o anticrítico, então! Roubando esta de Augusto de Campos sem pudor. Há muito que não me retiram do sentido a ideia de que o principal é cortar com a impostura disto tudo. A gloríola da mediocridade, o sentido gregário, essa ratada ficção ligando os «egozinhos de porta-aberta» do nosso meio literato.» -
Terra QueimadaEnsaio profético e demolidor, TERRA QUEIMADA (2022) expõe a forma como o complexo internético se tornou «motor implacável de vício, solidão, falsas esperanças, crueldade, psicose, endividamento, vida desbaratada, corrosão da memória e desintegração social». Nele, Jonathan Crary faz uma crítica radical da digitalização do mundo e denuncia realidades inegáveis: a incompatibilidade entre um planeta habitável e a economia consumista e técnica, a atomização provocada pelas redes sociais, a era digital como fase terminal do capitalismo planetário. «Se é possível um futuro habitável e comum no nosso planeta», conclui, «esse futuro será offline, dissociado dos sistemas e da actividade do capitalismo 24/7, que destroem o mundo». -
Mário Cesariny e Antonio Tabucchi - Cartas e outros TextosFernando Cabral Martins: «O surrealismo português já tinha atingido no final dos anos sessenta uma definição que tornava possível, de um ponto de vista exterior, descomprometido, fazer uma avaliação de conjunto.» Antonio Tabucchi veio a Portugal no rasto de um poeta: Fernando Pessoa, ou melhor Álvaro de Campos, de quem lera por acaso o poema «Tabacaria». Quis aprender a língua do autor do poema e para isso inscreveu-se na cadeira de Língua e Literatura Portuguesa na Universidade de Pisa, que então frequentava. O seu mestre foi uma professora especial, bela, inteligente e culta, Luciana Stegagno Picchio. Antonio quis conhecer o país onde se falava aquela língua e ao qual pertencia aquele poeta e, na Primavera de 1965, com o seu Fiat 500, chegou a Portugal. Aí conheceu uma portuguesa com quem falou de Pessoa, e com quem continuou a trocar correspondência até ao ano seguinte, quando se tornaram namorados, vindo depois a casar (1970). Mas até lá, veio amiúde a Portugal […] e começou a interessar-se pelo Surrealismo português, sobre o qual havia muito pouco material crítico, praticamente nada, em vista da sua futura tese de licenciatura. Conheceu então (1967) dois membros ilustres daquele movimento, dois grandes poetas, Alexandre O’Neill e Mário Cesariny de Vasconcelos, com quem passou muitas horas, primeiro para os entrevistar e depois, com sempre maior intimidade, já com laços de amizade, só pelo prazer de estarem juntos. [Maria José de Lancastre] Esta é a história de um desencontro. Cesariny, como o surrealismo, considerava a universidade um inimigo, e Tabucchi, para todos os efeitos, era em 1971 um universitário. Mesmo se, no caso dele, havia por parte do poeta o agrado de ver como a sua poesia e o seu lugar no surrealismo português eram reconhecidos — pela primeira vez — por um leitor com a distância crítica e a óbvia inteligência de Antonio Tabucchi. Aqui, nos textos que documentam o contacto directo entre ambos do final dos anos 60, pode ver-se uma ilustração do modo como a história do surrealismo foi sendo feita, com que ritmo e a partir de que posições. E que implica a consciência, por parte do poeta, da importância do sentido que a crítica atribui à História, capaz (ou não) de tornar o passado digno do presente, ou vice- -versa. E manifesta, por parte do jovem crítico italiano, a intuição da grandeza de um movimento que evoluía na sombra, num carceral jardim à beira-mar. [Fernando Cabral Martins]
