O melhor que podemos fazer, enquanto não temos um conhecimento perfeito do nosso ser, e do nosso ser em confronto com os outros, é conceber um princípio de perplexidade, viver em perplexidade, obrigando-nos a escolher sempre o caminho do conhecimento e não da ignorância. [Vasco Araújo]
Este livro foi publicado por ocasião da exposição «Vasco Araújo: Todas as Histórias», realizada na Fundação Carmona e Costa, em Lisboa, com curadoria de Pedro Faro, entre 3 de Fevereiro e 17 de Março de 2018. [...] esta exposição, em forma de instalação, pretende mostrar as várias séries de obras – alguns exemplares de cada uma das várias séries – desenvolvidas pelo artista, em que o desenho aparece como dispositivo central na criação de discurso. [...] As obras de Vasco Araújo apresentadas nesta exposição são sobre a forma como nos relacionamos com a memória, com a história e com as estórias, com os objectos, com os seus indícios narrativos; são sobre os fragmentos, sobre as suas permanências, sobre o que fica, como fica e sobre como mostramos e valorizamos certos aspectos do que fica. São construções, ficções impossíveis. São sobre o amor, sobre a vida e a sua ausência. [Pedro Faro]
Cada peça desta exposição fala de uma forma de conhecer no centro da qual parece estar a interrogação e a incerteza. Cada afirmação vive, em todas estas peças, como vozes da incerteza. «Todas as Histórias»; a série das Family; a filmagem dos vasos gregos. A melhor forma de conhecer é aqui talvez sugerida como a melhor forma de interrogar – de se interrogar. Esta exposição pode também ser vista como um ensaio acerca da inutilidade da afirmação – acerca da indelicadeza da afirmação. [João Sousa Monteiro]
É aquilo a que somos instigados aqui, em todas estas histórias onde a voz que diz «em voz alta» não vem só temperar o primado da imagem; vem também enriquecê-lo com dimensões inconfortáveis e embaraçosas que são tão cuidadosamente dissimuladas ao olhar. A escolha da via do conhecimento acarreta sofrimento, mas o saber infértil e a ignorância não só não resolvem nada, como condenam à escuridão, ao eterno retorno do mesmo ou a uma espectralidade sem fim. [Katherine Sirois]
Durante vários meses, Carmo Sousa Lima (psicanalista) e Vasco
Araújo (artista plástico) conversaram sobre a infância e os mistérios
que a tecem sem se deixarem ler; sobre a delicadeza; sobre o enigma
que parece estar no coração de tudo; sobre a virtude da incerteza, a coragem,
o fascínio da fragilidade; sobre os medos que cruzam a vida em
todas as direcções. A obra em vídeo de Vasco Araújo hoje uma referência
central no panorama da arte contemporânea inspirou muitas
destas conversas. Sem que tivesse sido planeado, o livro revelou-se um
surpreendente statement sobre a experiência criativa de Vasco Araújo.
Longos anos de experiência clínica, e um olhar de autora de poesia,
atravessam cada linha deste lvro. Olhada em conjunto, a conversa
com as suas hesitações, inseguranças, mudanças bruscas de direcção
reflecte sem o quererem, a experiência da vulnerabilidade com que os
dois interlocutores vêem, de dentro, a vida. João Sousa Monteiro (psicanalista)
colaborou na última, e mais extensa, conversa deste livro.
«Publicado por ocasião da exposição Botânica, concebida por Vasco Araújo para o Museu Nacional de Arte Contemporânea - Museu do Chiado, este livro procura reflectir sobre os interesses e as motivações de um acto criativo de grande profundidade, orientado para uma revisão crítica sobre a nossa memória colectiva, seus mitos e sedimentações mais nefastas. O conceito e a imagem perene de um «exótico» polémico, que nos aprisiona ainda, de alguma maneira, o sentido e o prisma, são elementos trabalhados pelo artista em direcção a uma arqueologia dos significados, revelando simultaneamente uma extraordinária convicção imagética, social e política.»
David Santos
«Botânica é uma série incómoda, desafiante da nossa habitual modorra perante um passado comprometedor. As imagens com que o artista nos confronta são, ainda hoje, polémicas, muitas foram resguardadas do olhar das gerações que se seguiram ao império e à guerra colonial, como forma de desresponsabilizar consciências e introduzir semânticas opacas de luso-tropicalismo e lusofonia. Existe, na obra de Vasco Araújo, um permanente esforço de conhecimento do Outro, afirmando-se como um dos raros artistas, no panorama contemporâneo nacional, com importantes contributos para a cultura de pensamento sobre o mesmo. [ ] O tema da discriminação está presente em grande parte do trabalho de Vasco Araújo, nas suas mais variadas facetas e contextos [ ]. A violência, a sexualidade, o género, a educação, a violação de direitos humanos, as estratégias de submissão, a anulação de culturas e pensamentos, de estruturas políticas, sociais e económicas, bem como a construção de estereótipos na premissa do «exótico» são os temas desta nova série.»
Emília Tavares
(Texto baseado em poemas de Kavafis e Al Berto)
Este livro foi publicado por ocasião da exposição «Vasco Araújo», realizada no M-Museum Leuven, com curadoria de Eva Wittocx, entre 28 de Setembro de 2018 e 17 de Março de 2019.
1.Estive alguns momentos a observar um grupo de rostos impressos por fisionomias fortes. Rostos e faces encaixadas em cabelos bem desenhados que suspendiam homens/cabeças que anunciavam figuras e tempos ilustres de um passado na história mas presente na memória. As faces eram austeras. Os olhos sem cor na cor em que a pedra nos olha. Por entre os membros deste grupo silencioso estava um que se distinguia pelo olhar incisivo pela expressão mais intensa. Era um homem/cabeça sem título, sem nome. Um leve movimento a moldar o rosto distinguia nos seus olhos um momento agora inexpugnável.
InconnuO carácter afirmado da fisionomia convida-nos a ver este homem comum em primeiro plano.
[…]
40.O seu conhecimento, a ninguém o deu, mas a possibilidade dele, a todos. O mundo pertenceu-lhe, a memória revela-me essa herança, esse bem. Hoje, fica tudo por fazer. Faça-se o que se fizer, reconstrói-se sempre o monumento à nossa maneira. É uma infelicidade este conhecimento…
Ana Cristina Cachola: «Na exposição Momento à Parte, como em grande parte da obra de Vasco Araújo, a textualidade, a visualidade e a sonoridade sobrepõem-se para que as múltiplas instâncias discursivas que concorrerem para a criação de um sistema intersígnico revelem a complexidade do mundo.»Tetxos de Ana Cristina Cachola, Inês Grosso, Ivo Mesquita, Alexandre Melo, André Tecedeiro, André e. Teodósio, Chantal Pontbriand, Colin Perry, Joacine Katar Moreira, João Pinharanda, Josué Mattos, Luísa Duarte, Rafael Esteves Martins, Rosa Lleó.«No seguimento de uma carreira internacional de vinte anos, marcada numa fase inicial pelo Prémio Novos Artistas Fundação EDP em 2002, a exposição de Vasco Araújo reúne muitas das peças que o artista produziu em torno dos temas da voz, do corpo e da performance - grande parte das quais raramente vistas em Portugal, ou mesmo aqui apresentadas pela primeira vez ao público português. Deste modo, a exposição antológica constitui, a um tempo, um estimulante veículo de rememoração da coesão da totalidade da sua obra, e uma avaliação crítica da sua evolução artística, desde o primeiro vídeo realizado em 2000, O Carteiro Toca Sempre Duas Vezes, até uma performance especialmente produzida para a exposição, Libertas - a qual fez a extraordinária abertura da exposição, com mais de duzentos voluntários a cantarem publicamente o «Coro dos Escravos Hebreus», extraído da ópera Nabucco, de Giuseppe Verdi.»Pedro Gadanho«Estes trabalhos não alinham no «novo» enquanto ideia comum. Vasco Araújo colecciona princípios dúplices de construção e destruição: o adorável enquanto terror, o velado enquanto estratégia emancipatória. Evitando apropriação e representação dos outros, evidenciam-se procedimentos culturais, geológicos, dispositivos e performances sociais, etc. intrínsecos a ontologias e comportamentos preponderantes que se tentaram naturalizar como sendo únicos. Diferindo de procedimentos museológicos conservadores, este «projecto expositivo» contínuo não é de afirmação mas de abandono; não um abandono pela demissão de tomada de posição ou neutralização mas pela intensificação da negatividade do projecto identitário.»André e. Teodósio
Nuno Crespo: «O trabalho de Vasco Araújo é um desafio. E é-o na forma
como permanentemente interpela as nossas concepções acerca do que é um
sentimento, uma emoção e como as suas obras interrogam os mecanismos
com que construímos a nossa persona.»Textos: Livro — Daniel Ribas, Maria João Madeira, Nuno Crespo, Pedro Faro, e Vasco Araújo; Caderno
— Vasco Araújo a partir de Cesare Pavese, Douglas Sirk, Grada Kilomba, José Pedro Serra, Luís Miguel
Nava; e textos originais de Diogo Bento, José Maria Vieira Mendes, Rafael Esteves Martins.Pathosformel é o título de um projecto complexo que Vasco Araújo desenvolveu na Escola das Artes da Universidade
Católica Portuguesa. Dele fazem parte um filme, uma instalação e este caderno de pesquisa [reproduzido no livro] criado
pelo artista durante a preparação das obras e seu desenvolvimento.
Podemos pensar nesta publicação como uma espécie de guião ou, se
se preferir, um caderno de campo. Nele o artista ensaia não questões técnicas
relativas a posição de câmara, indicações sobre representação ou
luz, mas materializa uma disposição poética que, subterraneamente, alimentou
as obras que desenvolveu. Disposição essa que se prolonga e se
expressa em todas as peças da ficção sentimental proposta por este artista,
mas que igualmente cria um possível enquadramento para a compreensão
de uma parte significativa do trabalho que tem vindo a desenvolver ao
longo da sua carreira.
Um agradecimento especial ao Vasco Araújo. Ao longo dos quase dois
anos em que conviveu na EA contagiou-nos com a sua intensidade e com
um rigoroso e muito inspirador método de trabalho. Entre pandemia,
confinamento e recolher obrigatório, concretizou uma obra complexa que
nos interpela de modos inesperados. A intensidade da experiência que nos
propõe é fruto da inquietação que este artista transporta para as suas obras
e que toma o espectador por inteiro. Não podemos senão estar gratos a
este artista pelo modo como, ao longe, questiona a textura emocional humana
e nos lança a todos numa viagem emocional interna.
[Nuno Crespo]