Memórias de Um Nómada
“Na Primavera, regressámos a Fez e ficámos no Belvedere. Eu estava a terminar The Sheltering Sky e a Jane estava imersa na sua novela Camp Cataract. Ao raiar do dia, tomávamos o pequeno-almoço na cama no seu quarto. Depois, eu ia para o meu quarto, deixando a porta aberta para que pudéssemos comunicar, se assim o quiséssemos. Numa dada altura, ela estava em dificuldades com uma ponte que tentava construir sobre um desfiladeiro. “Bupple! O que é um cantilever, ao certo?” ou “Pode-se dizer que as pontes têm contrafortes?” Imerso na escrita dos meus capítulos finais, respondia-lhe o que me ocorresse, sem sair do meu estado voluntário de obsessão. Ela ficava calada durante um bocado, e depois voltava a chamar-me. A torrente do rio, mesmo por baixo das nossas janelas, deixava apenas ouvir os sons mais penetrantes; as comunicações tinham de ser bastante importantes, para que valesse a pena gritar. Após três ou quatro manhãs, apercebi-me de que algo estava errado; ela ainda estava na ponte. Levantei-me e entrei no seu quarto. Falámos sobre o problema durante um bocado, e confessei-me intrigado. “Porque é que tens de construir o diacho da coisa?”, perguntei-lhe. “Porque não dizes apenas que estava ali, e pronto?” Ela abanou a cabeça. “Se não souber como foi construída, não consigo vê-la.”Achei isto incrível. Nunca me ocorrera que tais considerações pudessem estar implicadas no acto de escrever. Talvez pela primeira vez vislumbrasse o que a Jane queria dizer quando afirmava, como muitas vezes o fazia, que escrever era “tão difícil”.”
| Editora | Assírio & Alvim |
|---|---|
| Coleção | Testemunhos |
| Categorias | |
| Editora | Assírio & Alvim |
| Negar Chronopost e Cobrança | Não |
| Autores | Paul Bowles |
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ViagensEntre a imensa e majestosa solidão do Saara e a tranquilidade doméstica da sua ilha tropical no Ceilão - propriedade extravagante e selvagem que manteve durante alguns anos na costa de Weligama -, Paul Bowles percorreu incessantemente os caminhos do globo terrestre. Uma curiosidade inesgotável por todas as paisagens humanas e a atração por dois tipos antitéticos de paisagem geográfica, o deserto e a floresta tropical, alimentaram um fluxo constante de viagens, em que Bowles alternou a deslocação com a permanência em todos esses lugares que quis conhecer e onde escolheu viver por períodos maiores ou menores. Paul Bowles é um dos grande viajantes eruditos do século XX e o seu legado - musical e literário - sedimenta, em toda a sua originalidade, sofisticação e versatilidade, o património cultural universal. Viagens, livro inédito e o primeiro de uma série que a Quetzal dedica a Paul Bowles, reúne relatos das suas aventurosas deambulações pela Europa, África, América Central e Ásia. -
A Casa da AranhaVerdadeiro thriller político, com a medina de Fez em pano do fundo e os tempos explosivos do movimento nacionalista marroquino. Embora todos os romances de Paul Bowles espelhem o encontro e o conflito entre civilizações, neste, muito menos subjetivo, a aguda clivagem entre a cultura árabe e a do colonizador francês é profundamente explorada, com grande detalhe e intensidade. A forte tenção política e social que enquadra a intriga - protagonizada por um americano comunista, um rapazinho analfabeto e uma atraente mulher ocidental -, o ambiente de conspiração nacionalista e a infinidade de matizes, que restituem a milenar cidade de Fez à sua complexidade e vida, tornam A Casa da Aranha num marco na obra de Paul Bowles. -
À Beira da ÁguaNeste primeiro (de dois volumes que reúnem a totalidade dos contos de Bowles), a sua itinerância, o seu conhecimento do vasto mundo e das suas múltiplas culturas, e a sua erudição, deram corpo a uma obra literária fascinante. Durante a sua longa vida de viajante e de expatriado, Paul Bowles trabalhou incessantemente quer como compositor, quer como escritor - de ficção, poesia, ensaio, reportagem e na tradução de poetas e ficcionistas árabes - e viu reconhecidas as suas obras (na literatura, por exemplo, O Céu que Nos Protege , romance que ocupou o primeiro lugar da lista de bestsellers em The New York Times, adaptado ao cinema por Bernardo Bertolucci; na música, através na constante investigação e produção, e na colaboração com os maiores nomes do teatro e das artes cénicas em geral). -
O Céu Que Nos ProtegeO Céu que nos Protege é o grande romance de Paul Bowles. Foi escrito em grande parte no deserto, onde a ação se desenrola. Publicado em 1954, nele, como em toda a ficção de Bowles, reflete-se sobre o absurdo do mundo moderno, onde a crueza, a corrupção e a irrupção do desejo surge a par da inocência de quem não compreende nem julga. Kit e Port são um casal que percorre o Sahara: à medida que se adentram no deserto, arriscam-se continuamente e atraiçoam-se até a um ponto de não retorno, até à loucura ou à morte. Aqui, como em outras obras de Bowles, não há culpados; há uma hierarquia de valores, uma explicação do humano. Os escritos de Bowles têm operado uma enorme sedução sobre várias décadas de leitores. Gore Vidal considerou-o um dos expoentes da ficção americana. -
Deixa a Chuva CairNelson Dyar, um jovem americano cansado da monotonia da sua vida de empregado bancário, chega, depois da Segunda Guerra Mundial, à Zona Internacional de Tânger para começar uma nova vida. Wilcox, um vago conhecimento de infância, oferecera-lhe emprego na sua agência de viagens. Transposto para um meio que lhe é totalmente estranho, Dyar vagueia perdido entre os salões dos residentes ocidentais e os bares e bordéis da casbá e entre as duas culturas - a árabe e a ocidental -, sem compreender nenhuma das duas. Paul Bowles retrata as figuras dessa sociedade que tão bem conheceu e inclui mesmo uma caricatura de si próprio. Dyar é, no entanto, uma personagem totalmente inventada. Um zé-ninguém, uma vítima, como ele próprio se descreve, com uma personalidade que se define apenas em termos da situação, alguém que nunca viveu. Retirado do ambiente ordenado em que existira até então, Dyar não consegue interpretar as reações daqueles com quem se cruza: Hadija, a pequena prostituta, a terrível Eunice Goode, Thami, o contrabandista árabe que faz a ponte entre os salões do palácio dos Beidaoui e os bares da casbá, Daisy de Valverde, Wilcox, com os seus negócios escuros, Madame Jouvenon e a espionagem, os berberes e o povo das montanhas, a população dos bairros indígenas e os cambistas judeus. A chuva cai incessante, transformando em rios as ruelas da casbá e marcando as alterações do estado de espírito de Dyar. Se o céu do romance O Céu que Nos Protege era vasto e azul, o céu de Deixa a Chuva Cair, também omnipresente, é opressivo e escuro. A chuva que teima em cair, as nuvens que se acumulam, as ondas do estreito de Gibraltar, o vento que assobia e faz bater a porta da cabana nas montanhas acompanham o percurso de Dyar até ao abismo inevitável.
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O Príncipe da Democracia - Uma Biografia de Francisco Lucas PiresNenhuma outra figura foi intelectualmente tão relevante para a afirmação da direita liberal em Portugal como Francisco Lucas Pires. Forjado numa família que reunia formação clássica e espírito de liberdade, tornou-se um constitucionalista inovador, um jurista criativo, um político de dimensão intelectual rara à escala nacional e europeia – e, acima de tudo, um cidadão inconformado com o destino de Portugal.Em O Príncipe da Democracia, Nuno Gonçalo Poças reconstitui o percurso e as ideias deste homem invulgar, cujo legado permanece em grande parte por cumprir, e passa em revista os seus sucessos e fracassos. O resultado é um livro que, graças à absoluta contemporaneidade do pensamento do biografado, nos ajuda a compreender as grandes questões que o país e a Europa continuam a enfrentar, mostrando-nos, ao mesmo tempo, uma elegância política difícil de conceber quando olhamos hoje à nossa volta.Mais do que um retrato elucidativo de Lucas Pires, que partiu precocemente aos 53 anos, este é um documento fundamental para responder aos desafios do futuro, numa altura em que o 25 de Abril completa meio século. -
A DesobedienteA dor e o abandono chegaram cedo à vida de Teresinha, a filha mais velha de um dos mais prestigiados médicos da capital e de uma mulher livre e corajosa, descendente dos marqueses de Alorna, que nas ruas e nos melhores salões de Lisboa rivalizava em encanto com Natália Correia. A menina que haveria de ser poetisa vê a morte de perto quando ainda mal sabe andar, sobrevive às depressões da mãe, chegando mesmo a comer uma carta para a proteger. É dura e injustamente castigada e as cicatrizes hão de ficar visíveis toda a vida, de tal modo que a infância e a adolescência de Maria Teresa Horta explicam quase todas as opções que tomou. Sobreviver ao difícil divórcio dos pais, duas figuras incomuns, com as quais estabeleceu relações impressionantes de tão complexas, foi apenas uma etapa.Mas quanto deste sofrimento a leva à descoberta da poesia? E quanto está na origem da voz ativista de uma jovem que há de ser uma d’As Três Marias, as autoras das famosas «Novas Cartas Portuguesas», e protagonistas do último caso de perseguição a escritores em Portugal, que recebeu apoio internacional de mulheres como Simone de Beauvoir e Marguerite Duras? A insubmissa, que se envolve por acaso com o PCP e mantém intensa atividade política no pré e no pós-25 de Abril; a poetisa, a mãe, a mulher que constrói um amor desmedido por Luís de Barros; a grande escritora a quem os prémios e condecorações chegaram já tarde (ainda que, em alguns casos, a tempo de serem recusados), entre outras facetas, é a Maria Teresa Horta que Patrícia Reis, romancista e biógrafa experimentada, soube escrever e dar a conhecer, nesta biografia, com a destreza e a sensibilidade que a distinguem. -
Emílio Rui VilarMemórias do país da ditadura e do alvor da democracia em Portugal. A vida de Emílio Rui Vilar atravessou as principais mudanças da segunda metade do século XX. Contado na primeira pessoa, um percurso fascinante pelo fim do regime de Salazar e Caetano e pela revolução de Abril.Transcrevendo entrevistas realizadas ao longo de vários meses, este livro recolhe o relato na primeira pessoa de uma trajetória que percorreu o início da contestação ao Estado Novo no meio universitário, a Guerra Colonial, a criação da SEDES, o fracasso da “primavera marcelista” e os primeiros anos do novo regime democrático saído do 25 de Abril, onde Emílio Rui Vilar desempenhou funções governativas nos primeiros três Governos Provisórios e no Primeiro Governo Constitucional. No ano em que se celebram cinco décadas de democracia em Portugal, este livro é um importante testemunho sobre dois regimes, sobre o fim de um e o nascimento de outro. -
Oriente PróximoCom a atual guerra em Gaza, este livro, Oriente Próximo ganhou uma premente atualidade. A autora, a maior especialista portuguesa sobre o assunto, aborda o problema não do ponto de vista geral, mas a partir da vida concreta das pessoas judeus, árabes e outras nacionalidades que habitam o território da Palestina. Daí decorre que o livro se torna de leitura fascinante, como quem lê um romance.Nunca se publicou nada em Portugal com tão grande qualidade. -
Savimbi - Um homem no Seu MartírioSavimbi foi alvo de uma longa e destrutiva campanha de propaganda, desinformação e acções encobertas de segurança com o objectivo de o desacreditar e isolar. Se não aceitasse o exílio ou a sujeição, como foi o objectivo falhado dessa campanha, o fim último era matá-lo, como aconteceu: premeditadamente! Para que a sua «morte em combate» não suscitasse empatia, foi como um chefe terrorista da laia de Bin Laden que a sua morte foi apresentada – artifício da propaganda que tirou partido da memória emocional recente dos atentados da Al Qaeda, na América. Julgado com honestidade, Savimbi nunca foi o «bandido» por que o fizeram passar. O manifesto apreço que personalidades de indiscutível clareza moral, como Mandela, tiveram por ele prova-o. O MPLA elegeu-o como adversário temido e quis apagá-lo do seu caminho! Não pelos crimes a que o associaram. O que o MPLA e o seu regime temiam eram as suas qualidades e carisma, a sua representatividade política e o prestígio externo que granjeara. Como outros grandes da História, Savimbi também tinha defeitos e cometia erros. Mas no deve e haver as suas qualidades eram preponderantes." -
Na Cabeça de MontenegroLuís Montenegro, o persistente.O cargo de líder parlamentar, no período da troika, deu-lhe o estatuto de herdeiro do passismo. Mas as relações com Passos Coelho arrefeceram e o legado que agora persegue é outro e mais antigo. Quem o conhece bem diz que Montenegro é um fiel intérprete da velha tradição do PPD, o partido dos baronatos do Norte. Recusou por três vezes ser governante e por duas vezes foi derrotado em autárquicas. Já fez e desfez alianças, esteve politicamente morto e ressuscitou. Depois de algumas falsas partidas chegou à liderança. Mas tudo tem um preço e é o próprio a admitir que se questiona com frequência: será que vale a pena? -
Na Cabeça de VenturaAndré Ventura, o fura-vidas.Esta é a história de uma espécie de Fausto português, que foi trocando aquilo em que acreditava por tudo o que satisfizesse a sua ambição. André Ventura foi um fura-vidas. A persona mediática que criou nasceu na CMTV como comentador de futebol. Na adolescência convertera-se ao catolicismo, a ponto de se tornar um fundamentalista religioso. Depois de ganhar visibilidade televisiva soube pô-la ao serviço da sua ambição de notoriedade. Passou pelo PSD e foi como candidato do PSD que descobriu que havia um mercado eleitoral populista e xenófobo à espera de alguém que viesse representá-lo em voz alta. Assim nasceu o Chega. -
Contra toda a Esperança - MemóriasO livro de memórias de Nadejda Mandelstam começa, ao jeito das narrativas épicas, in media res, com a frase: «Depois de dar uma bofetada a Aleksei Tolstói, O. M. regressou imediatamente a Moscovo.» Os 84 capítulos que se seguem são uma tentativa de responder a uma das perguntas mais pertinentes da história da literatura russa do século XX: por que razão foi preso Ossip Mandelstam na fatídica noite de 1 de Maio de 1934, pouco depois do seu regresso de Moscovo? O presente volume de memórias de Nadejda Mandelstam cobre, assim, um arco temporal que medeia entre a primeira detenção do marido e a sua morte, ou os rumores sobre ela, num campo de trânsito próximo de Vladivostok, algures no Inverno de 1938. Contra toda a Esperançaoferece um roteiro literário e biográfico dos últimos quatro anos de vida de um dos maiores poetas do século XX. Contudo, é mais do que uma narrativa memorialística ou biográfica, e a sua autora é mais do que a viúva mítica, que memorizou a obra proibida do poeta perseguido, conseguindo dessa forma preservar toda uma tradição literária. Na sua acusação devastadora ao sistema político soviético, a obra de Nadejda Mandelstam é apenas igualada por O Arquipélago Gulag. O seu método de composição singular, e a prosa desapaixonada com que a autora sonda o absurdo da existência humana, na esteira de Dostoievski ou de Platónov, fazem de Contra toda a Esperança uma das obras maiores da literatura russa do século XX.