O Caminho Estreito para o Longínquo Norte
«Os meses e os dias são viajantes da eternidade. Assim como o ano que passa e o ano que vem. Para aqueles que se deixam flutuar a bordo dos barcos ou envelhecem conduzindo cavalos, todos os dias são viagem e a sua casa é o espaço sem fim. Dos homens do passado, muitos morreram em plena rota. A mim mesmo, desde há anos, me perseguem pensamentos de vagabundo mal vejo uma núvem arrastada pelo vento.
Passei o último inverno percorrendo a costa. No outono regressei à minha cabana nas margens do rio. Mal tivera tempo de limpar teias de aranha quando me surpreendeu o fim do ano. Em breve, a névoa da primavera cobriria o céu e os campos, e eu queria atravessar Shirakawa nessa altura. Tudo o que via me convidava a viajar. Tão possuído estava pelos deuses que não conseguia dominar os meus pensamentos. Os espíritos do caminho faziam-me sinais, e dei-me conta que não podia adiar por mais tempo a minha partida.
Remendei as minhas calças rotas, mudei as tiras do meu chapéu de palha e untei as minhas pernas para as fortalecer. A ideia da lua na ilha de Matsushima enchia as minhas horas. Cedi a minha cabana e fui para casa de Sampu. Num dos pilares deixei este poema:
ambém esta cabana de colmo
se há-de transformar
em casa de bonecas.»
| Editora | Fenda |
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| Categorias | |
| Editora | Fenda |
| Negar Chronopost e Cobrança | Não |
| Autores | Matsuo Bashô |
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O Gosto Solitário do Orvalho, seguido de O Caminho EstreitoMatsuo Bashô (Japão, 1644-1694), "o eterno vagabundo" - assim lhe chama Jorge Sousa Braga, autor destas versões portuguesas de "O Gosto Solitário do Orvalho", um volume de haikus, e "O Caminho Estreito", um diário de viagem. Como diz Eugénio de Andrade ("Rosto Precário"), Bashô, "com um cânone de apenas dezassete sílabas, fez uma das mais esplêndidas poesias de que há memória." O haiku (JSB) é "um momento único na eternidade: não se repete, nem se desvanece nunca". Bashô é um dos seus maiores executores. Vejam-se dois, de entre muitos: Uma rã mergulha no velho tanque... o ruído da água Preso na cascata um instante: o verão -
O Eremita ViajanteO poema haiku não inferioriza nem zomba, não se serve do intelecto, valoriza as coisas pequenas, valendo-se da surpresa e de um reduzido vocabulário, começa ainda antes da primeira letra da primeira estrofe e acaba muito depois da última sílaba da terceira estrofe. É poesia despersonalizada, já quase fora da linguagem comum, nasce no silêncio, atravessa, como um relâmpago, o olhar do contemplador e regressa ao silêncio; e enquanto existiu pareceu durar o tempo de um movimento respiratório. Resultante em grande parte da contemplação da beleza e comportamentos da natureza, este estilo poético assume-se como fenómeno que transcende o pessoal, é puro presente, é um momento suspenso, eterno em si mas que não volta a acontecer. Nele, desaparece a separação observador/ observado, para dar lugar à ausência de ego, à manifestação do sublime. No final da breve leitura do poema, o leitor arrisca-se a ser percorrido por um calafrio que não poupará nenhuma célula do seu corpo; talvez o seu olhar se semicerre e se suspenda no seio de um horizonte para além do horizonte visível; talvez assome ao canto dos seus lábios o movimento de um sorriso somente perceptível pelo olhar puro das crianças e dos animais. imóvel contemplo a lua e os outros pensam que sou cego
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Tal como És- Versos e Reversos do RyokanAntologia poética do monge budista Ryokan, com tradução a partir do original japonês. -
TisanasReedição das Tisanas de Ana Hatherly, poemas em prosa que ocuparam grande parte da vida da poeta e artista. -
NocturamaOs poemas são a exasperação sonhada As palavras são animais esquivos, imprecisos e noturnos. É desse pressuposto que Nocturama lança mão para descobrir de que sombras se densifica a linguagem: poemas que se desdobram num acordeão impressionante, para nos trazerem de forma bastante escura e às vezes irónica a suprema dúvida do real. -
Primeiros Trabalhos - 1970-19791970-1979 é uma selecção feita pela autora, da sua escrita durante esse mesmo período. Uma parte deste livro são trabalhos nunca publicados, onde constam excertos do seu diário, performances e notas pessoais. A maioria dos textos foram publicados ao longo da década de setenta, em livros que há muito se encontram esgotados, mesmo na língua original.“Éramos tão inocentes e perigosos como crianças a correr por um campo de minas.Alguns não conseguiram. A alguns apareceram-lhes mais campos traiçoeiros. E algunsparece que se saíram bem e viveram para recordar e celebrar os outros.Uma artista enverga o seu trabalho em vez das feridas. Aqui está então um vislumbredas dores da minha geração. Frequentemente bruto, irreverente—mas concretizado,posso assegurar, com um coração destemido.”-Patti SmithPrefácio de Rafaela JacintoTradução de cobramor -
Horácio - Poesia CompletaA obra de Horácio é uma das mais influentes na história da literatura e da cultura ocidentais. Esta é a sua versão definitiva em português.Horácio (65-8 a.C.) é, juntamente com Vergílio, o maior poeta da literatura latina. Pela variedade de vozes poéticas que ouvimos na sua obra, estamos perante um autor com muitos rostos: o Fernando Pessoa romano. Tanto a famosa Arte Poética como as diferentes coletâneas que Horácio compôs veiculam profundidade filosófica, mas também ironia, desprendimento e ambivalência. Seja na sexualidade franca (censurada em muitas edições anteriores) ou no lirismo requintado, este poeta lúcido e complexo deslumbra em todos os registos. A presente tradução anotada de Frederico Lourenço (com texto latino) é a primeira edição completa de Horácio a ser publicada em Portugal desde o século XVII. As anotações do professor da Universidade de Coimbra exploram as nuances, os intertextos e as entrelinhas da poética de Horácio, aduzindo sempre que possível paralelo de autores portugueses (com destaque natural para Luís de Camões e Ricardo Reis). -
Um Inconcebível AcasoNo ano em que se celebra o centenário de Wisława Szymborska, e coincidindo com a data do 23º aniversário da atribuição do prémio Nobel à autora, as Edições do Saguão e a tradutora Teresa Fernandes Swiatkiewicz apresentam uma antologia dos seus poemas autobiográficos. Para esta edição foram escolhidos vinte e seis poemas, divididos em três partes. Entre «o nada virado do avesso» e «o ser virado do avesso», a existência e a inexistência, nesta selecção são apresentados os elementos do que constituiu o trajecto e a oficina poética de Szymborska. Neles sobressai a importância do acaso na vida, o impacto da experiência da segunda grande guerra, e a condição do ofício do poeta do pós-guerra, que já não é um demiurgo e, sim, um operário da palavra que a custo trilha caminho. Nos poemas de Wisława Szymborska esse trajecto encontra sempre um destino realizado de forma desarmante entre contrastes de humor e tristeza, de dúvida e do meter à prova, de inteligência e da ingenuidade de uma criança, configurados num território poético de achados entregues ao leitor como uma notícia, por vezes um postal ilustrado, que nos chega de um lugar que sabemos existir, mas que muito poucos visitam e, menos ainda, nos podem dele dar conta. -
AlfabetoALFABET [Alfabeto], publicado em 1981, é a obra mais conhecida e traduzida de Inger Christensen.Trata-se de um longo poema sobre a fragilidade da natureza perante as ameaças humanas da guerra e da devastação ecológica. De modo a salientar a perfeição e a simplicidade de tudo o que existe, a autora decidiu estruturar a sua obra de acordo com a sequência de números inteiros de Fibonacci, que está na base de muitas das formas do mundo natural (como a geometria da pinha, do olho do girassol ou do interior de certas conchas). Como tal, Alfabeto apresenta catorze secções, desde a letra A à letra N, sendo que o número de versos de cada uma é sempre a soma do número de versos das duas secções anteriores. Ao longo destes capítulos, cada vez mais extensos, Christensen vai assim nomeando todas as coisas que compõem o mundo.Este livro, verdadeiramente genesíaco, é a primeira tradução integral para português de uma obra sua. -
Fronteira-Mátria - [Ou Como Chegamos Até Aqui]Sou fronteiradois lados de lugar qualquerum pé em cada território.O ser fronteiriço énascer&serde todo-lugar/ lugar-nenhum.(…)Todas as coisas primeiras são impossíveis de definir. Fronteira-Mátria é um livro que traz um oceano ao meio. Neste projeto original que une TERRA e MAZE, há que mergulhar fundo para ler além da superfície uma pulsão imensa de talento e instinto.Toda a criação é um exercício de resistência. Aqui se rimam as narrativas individuais, com as suas linguagens, seus manifestos, suas tribos, mas disparando flechas para lá das fronteiras da geografia, do território, das classes e regressando, uma e outra vez, à ancestral humanidade de uma história que é coletiva — a nossa. Veja-se a beleza e a plasticidade da língua portuguesa, a provar como este diálogo transatlântico é também a celebração necessária do que, na diferença, nos une.Todas as coisas surpreendentes são de transitória definição. Há que ler as ondas nas entrelinhas. Talvez o mais audacioso deste livro seja o servir de testemunho para muito mais do que as quatro mãos que o escrevem. Ficamos nós, leitores, sem saber onde terminam eles e começamos nós.Todas as coisas maravilhosas são difíceis de definir. Este é um livro para ouvir, sem sabermos se é poesia, se é música, se é missiva no vento. Se é uma oração antiga, ainda que nascida ainda agora pela voz de dois enormes nomes da cultura hip-hop de Portugal e do Brasil. Mátria carregada de futuro, anterior à escrita e à canção.Minês Castanheira