O Balcão
Chantal: Eles só sabem lutar e tu só sabes amar-me. É o papel que aprendeste a interpretar. Mas comigo é diferente. Para alguma coisa o bordel me serviu, pois que me ensinou a arte de representar e de fingir. Tive de interpretar tantos papéis que os conheço quase todos. E tive tantos partenaires…
Roger: Chantal!
Chantal: E alguns tão sabidos e tão retorcidos, tão eloquentes, que a minha ciência, a minha manha, a minha eloquência são incomparáveis. Posso tratar por tu a Rainha, o Herói, o Juiz, o Bispo, o General, a Tropa heróica… e enganá-los.
Roger: Conheces todos os papéis, não conheces?
Jean Genet (1910-1986) foi um romancista, poeta e dramaturgo francês. É acusado de roubo pela primeira vez aos dez anos. Desgostoso com as repercussões do seu ato, decide reivindicá-lo abertamente, num ímpeto existencialista avant la lettre que definiu para sempre a sua relação conflituosa com os valores vigentes. Suicidou-se com 75 anos.
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O Estúdio de Alberto GiacomettiJean Genet visitou demorada e interessadamente o atelier de Alberto Giacometti. Nasceu assim o fascínio pelo escultor de homens tão longos que mais parecem cristas do gótico flamejante, individualizadas e profundamente humanas. De Genet publica a Assírio & Alvim O Estúdio de Alberto Giacometti, no qual se descreve o escultor e a sua arte, a origem da beleza dessas estátuas que “provocam emoções muito próximas deste terror, e idêntico fascínio”, porque “a arte de Giacometti parece querer revelar essa ferida secreta dos seres e das coisas, para que ela os ilumine”. -
A VarandaOs Artistas Unidos e a Cotovia publicam mais um texto de Jean Genet, A Varanda. Este volume integra a série de capa preta reservada aos "clássicos do contemporâneo", onde já foram publicadas peças de Pirandello, Karl Valentin e um primeiro volume com duas peças de Jean Genet. A Varanda Jean Genet associa, não sem ironia, a nossa sociedade a um bordel de luxo: um lugar onde se trocam os corpos pelo dinheiro, onde reina a ilusão e o engano. A parábola é clara: a irresistível ascensão de Georges não é outra que a de Franco ou Hitler, mas sob a forma de uma farsa fúnebre. A força do teatro de Genet reside neste riso terrúvel, o riso de quem sabe que tudo está perdido. -
No Sentido da NoiteA primeira crise de esterilidade literária de Jean Genet (1910-1986) sete anos vazios entre Le Journal du Voleur (1949) e a peça de teatro Le Balcon (1956) sucede a um período fértil, medido por outros sete anos. De facto, a um poema feito no cárcere em 1942 Le Condamné à Mort primeiro anúncio de um grande poeta e de um magnífico transtorno de valores morais desde logo mitificado com a história de uma aposta entre reclusos que lhe estaria na origem, seguiu-se em 1944 o romance Notre-Dame-des-Fleurs (para o qual teve Cocteau de «inventar» uma editora situada em Monte Carlo, anónima, aux dépens dun amateur), e depois Miracle de la Rose em 1946, Querelle de Brest e Pompes Funèbres em 1947, e ainda Poèmes em 1948 e Journal du Voleur em 1949, quase tudo o que, somado ao seu futuro teatro, nos faz arriscar uma palavra assustadora génio para não explicar de todo que aprendizagem (feita onde?, com quem?, para quê?) levou àquela escrita que uma faca, empunhada por um filho de pai incógnito e com uma memória magoada por acusações de roubo, assistências públicas e casas de correcção obrigada a sonhar-se com delinquências vagabundas em marselhas e barcelonas riscava com luxo para ferir a literatura e pô-la ao serviço de uma recusa de tudo o que afectasse positivamente a moral burguesa. Com estas histórias de exemplo em subversão pôde perceber-se que uma função da arte viria ele próprio a dizê-lo assim, textualmente é substituir a fé religiosa pela eficácia da beleza; e que esta beleza deve ter, pelo menos, a força de um poema, quer dizer, de um crime; e que aos seus livros tecidos com magnificência verbal (a minha vitória é verbal, avisaria também, e devo-a à sumptuosidade das palavras) caberia o papel de servir aquela beleza, e servi-la tão bem que ficassem irrecusáveis de sedução os espelhos onde ela se reflecte, e mesmo que a imagem reflectida confrontasse uma inversão ética do próprio leitor. -
Querelle - Amar e MatarA obra de Jean Genet é o teatro do mal e da morte. O seu mundo é o reverso do nosso mundo, o nosso inferno é o seu paraíso. E é nesse mundo, iluminado pela luz da sua arte e pelo lirismo da sua poesia, que Genet apresenta os seus personagens - assassinos, ladrões, prostitutas, homossexuais...-, celebrando os ritos da religião do crime: as festas do sexo, o ritual da traição, a cerimónia do homicídio. É nesse mundo que evolui o protagonista do extraordinário romance que ora apresentamos, Querelle, o marinheiro de Brest, nimbado pelo autor com todos os esplendores que acompanham os santos e as virgens das nossas igrejas barrocas. Com ele, Genet faz-nos assistir a toda a estranha sedução do mal, à beleza da traição, ao encanto do homicídio, vestidos com as pompas duma transfiguração poética que dá ao mundo subterrâneo dos marginais a aura gloriosa duma procura do absoluto através dos abismos da depravação. -
Diário do Ladrão«Só na aparência a sua autobiografia é uma autobiografia: ela é uma cosmogonia sagrada. As suas histórias não são histórias: elas apaixonam e fascinam e levam-nos a acreditar que ele nos relata factos, mas logo nos apercebemos de que aquilo que nos descreve são ritos.» Jean-Paul Sartre «O príncipe negro das letras.» Jean Cocteau «Só um punhado de escritores do século XX, tais como Kafka e Proust, têm uma voz e um estilo tão importantes, tão autoritários, tão irrevogáveis.» Susan Sontag Em Diário do Ladrão, Genet conta a sua história. Não é uma história bonita, dessas que mascaram a realidade. Publicado clandestinamente em 1948, e depois numa edição censurada no ano seguinte, é a história de um ladrão pervertido e escandaloso em busca da redenção através da imersão no mal. Assumindo sem reservas a ética e a estética do vício, o protagonista conta os seus périplos por uma Europa decadente, entregando-se ao crime, à devassidão e à vagabundagem, enfrentando uma sociedade à qual não quer nem pode pertencer. De inspiração hagiográfica, é o livro que melhor nos dá a conhecer o Genet soldado, mendigo, ladrão, vagabundo, prostituto, o anjo caído das letras francesas, a quem Jean-Paul Sartre dedicou um estudo de mais de 800 páginas. Através das três virtudes teologais - o roubo, a traição e a sodomia -, o herói de Diário do Ladrão eleva-se acima da vileza e da indecência, que o poder da palavra sublima e santifica. -
Diário do Ladrão«Só na aparência a sua autobiografia é uma autobiografia: ela é uma cosmogonia sagrada. As suas histórias não são histórias: elas apaixonam e fascinam e levam-nos a acreditar que ele nos relata factos, mas logo nos apercebemos de que aquilo que nos descreve são ritos.»Jean-Paul SartreJean-Paul Sartre«O príncipe negro das letras.» Jean Cocteau «Só um punhado de escritores do século XX, tais como Kafka e Proust, têm uma voz e um estilo tão importantes, tão autoritários, tão irrevogáveis.» Susan Sontag Em Diário do Ladrão, Genet conta a sua história. Não é uma história bonita, dessas que mascaram a realidade. Publicado clandestinamente em 1948, e depois numa edição censurada no ano seguinte, é a história de um ladrão pervertido e escandaloso em busca da redenção através da imersão no mal. Assumindo sem reservas a ética e a estética do vício, o protagonista conta os seus périplos por uma Europa decadente, entregando-se ao crime, à devassidão e à vagabundagem, enfrentando uma sociedade à qual não quer nem pode pertencer. De inspiração hagiográfica, é o livro que melhor nos dá a conhecer o Genet soldado, mendigo, ladrão, vagabundo, prostituto, o anjo caído das letras francesas, a quem Jean-Paul Sartre dedicou um estudo de mais de 800 páginas. Através das três virtudes teologais - o roubo, a traição e a sodomia -, o herói de Diário do Ladrão eleva-se acima da vileza e da indecência, que o poder da palavra sublima e santifica. -
As CriadasObra primeira, inaugural do transbordar de variantes na escrita dramática de Genet, As Criadas (1947) trata de um delito – cismado, sonhado, ritualizado como uma missa negra. Duas criadas irmãs congeminam o homicídio da sua patroa, entregando-se a uma espiral de jogos de representação, espaço cerimonial de um sacrifício. Em 2016, instigada pelo encenador Simão do Vale Africano, Luísa Costa Gomes traduziu pela primeira vez em Portugal a “versão Genet”, aqui publicada, que difere da chamada “versão Louis Jouvet”, o texto da primeira encenação d’As Criadas, tornado canónico nas inúmeras representações da mais representada das peças do dramaturgo francês. Conta Genet que, na altura da estreia, um crítico de teatro fez notar que as verdadeiras criadas não falam como as da sua peça. “Pretendo o contrário”, replicou. “Porque se eu fosse criada falaria como elas. Em determinadas noites. Porque as criadas só falam assim em determinadas noites.”
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Os CavaleirosOs Cavaleiros foram apresentados nas Leneias de 424 por um Aristófanes ainda jovem. A peça foi aceite com entusiasmo e galardoada com o primeiro lugar. A comédia surgiu no prolongamento de uma divergência entre o autor e o político mais popular da época, Cléon, em quem Aristófanes encarna o símbolo da classe indesejável dos demagogos. Denunciar a corrupção que se instaurou na política ateniense, os seus segredos e o seu êxito, eis o que preocupava, acima de tudo, o autor. Discursos, mentiras, falsas promessas, corrupção e condenáveis ambições são apenas algumas das 'virtudes' denunciadas, numa peça vibrante de ritmo que cativou o público ateniense da época e que cativa o público do nosso tempo, talvez porque afinal não tenha havido grandes mudanças na vida da sociedade humana. -
Atriz e Ator Artistas - Vol. I - Representação e Consciência da ExpressãoNas origens do Teatro está a capacidade de inventar personagens materiais e imateriais, de arquitetar narrativas que lancem às personagens o desafio de se confrontarem com situações e dificuldades que terão de ultrapassar. As religiões roubaram ao Teatro as personagens imateriais. Reforçaram os arquétipos em que tinham de se basear para conseguirem inventariar normas de conduta partilháveis que apaziguassem as ansiedades das pessoas perante o mundo desconhecido e o medo da morte.O Teatro ficou com as personagens materiais, representantes não dos deuses na terra, mas de seres humanos pulsionais, contraditórios, vulneráveis, que, apesar de perdidos nos seus percursos existenciais, procuram dar sentido às suas escolhas.Aos artesãos pensadores do Teatro cabe o desígnio de ir compreendendo a sua função ao longo dos tempos, inventando as ferramentas, esclarecendo as noções que permitam executar a especificidade da sua Arte. Não se podem demitir da responsabilidade de serem capazes de transmitir as ideias, as experiências adquiridas, às gerações vindouras, dando continuidade à ancestralidade de uma profissão que perdura. -
As Mulheres que Celebram as TesmofóriasEsta comédia foi apresentada por Aristófanes em 411 a. C., no festival das Grandes Dionísias, em Atenas. É, antes de mais, de Eurípides e da sua tragédia que se trata em As Mulheres que celebram as Tesmofórias. Aristófanes, ao construir uma comédia em tudo semelhante ao estilo de Eurípides, procura caricaturá-lo. Aristófanes dedica, pela primeira vez, toda uma peça ao tema da crítica literária. Dois aspectos sobressaem na presente caricatura: o gosto obsessivo de Eurípides pela criação de personagens femininas, e a produção de intrigas complexas, guiadas por percalços imprevisíveis da sorte. A somar-se ao tema literário, um outro se perfila como igualmente relevante, e responsável por uma diversidade de tons cómicos que poderão constituir um dos argumentos em favor do muito provável sucesso desta produção. Trata-se do confronto de sexos e da própria ambiguidade nesta matéria. -
A Comédia da MarmitaO pobre Euclião encontra uma marmita cheia de ouro, esconde-a e aferra-se a ela; passa a desconfiar de tudo e de todos. Entretanto, não se apercebe que Fedra, a sua filha, está grávida de Licónides. Megadoro, vizinho rico, apaixonado, pede a mão de Fedra em casamento, e prontifica-se a pagar a boda, já que a moça não tem dote. Euclião aceita e prepara-se o casamento. Ora acontece que Megadouro é tio de Licónides. É assim que começa esta popular peça de Plauto, cheia de peripécias e de mal-entendidos, onde se destaca a personagem de Euclião com a sua desconfiança, e que prende o leitor até ao fim. «O dinheiro não dá felicidade mas uma marmita de ouro, ao canto da lareira, ajuda muito à festa» - poderá ser a espécie de moralidade desta comédia a Aulularia cujo modelo influenciou escritores famosos (Shakespeare e Molière, por exemplo) e que, a seguir ao Anfitrião, se situa entre as peças mais divulgadas de Plauto. -
O Teatro e o Seu Duplo«O Teatro e o Seu Duplo, publicado em 1938 e reunindo textos escritos entre 1931 e 1936, é um ataque indignado em relação ao teatro. Paisagem de combate, como a obra toda, e reafirmação, na esteira de Novalis, de que o homem existe poeticamente na terra.Uma noção angular é aí desenvolvida: a noção de atletismo afectivo.Quer dizer: a extensão da noção de atletismo físico e muscular à força e ao poder da alma. Poderá falar-se doravante de uma ginástica moral, de uma musculatura do inconsciente, repousando sobre o conhecimento das respirações e uma estrita aplicação dos princípios da acupunctura chinesa ao teatro.»Vasco Santos, Posfácio -
Menina JúliaJúlia é uma jovem aristocrata que, por detrás de uma inocência aparente esconde um lado provocador. Numa noite de S. João, Júlia seduz e é seduzida por João, criado do senhor Conde e noivo de Cristina, a cozinheira da casa. Desejo, conflitos de poder, o choque violento das classes sociais e dos sexos que povoam aquela que será uma noite trágica. -
Os HeraclidasHéracles é o nome do deus grego que passou para a mitologia romana com o nome de Hércules; e Heraclidas é o nome que designa todos os seus descendentes.Este drama relata uma parte da história dos Heraclidas, que é também um episódio da Mitologia Clássica: com a morte de Héracles, perseguido pelo ódio de Euristeu, os Heraclidas refugiam-se junto de Teseu, rei de Atenas, o que representa para eles uma ajuda eficaz. Teseu aceita entrar em guerra contra Euristeu, que perece na guerra, junto com os seus filhos. -
A Comédia dos BurrosA “Asinaria” é, no conjunto, uma comédia de enganos equilibrada e com cenas particularmente divertidas, bem ao estilo de Plauto. A intriga - na qual encontramos alguns dos tipos e situações características do teatro plautino (o jovem apaixonado desprovido de dinheiro; o pai rival do filho nos seus amores; a esposa colérica odiada pelo marido; a cínica, esperta e calculadora alcoviteira; e os escravos astutos, hábeis e mentirosos) - desenrola-se em dois tons - emoção e farsa - que, ao combinarem-se, comandam a intriga através de uma paródia crescente até ao triunfo decisivo do tom cómico.