O Sobrinho de Rameau
O Sobrinho de Rameau, publicado pela primeira vez em Portugal, tem uma história atribulada. Escrito entre 1762 e 1773, foi publicado postumamente, em 1805, numa tradução alemã de Goethe, que conhecera a obra por intermédio de Schiller. Em 1821, saiu uma «retradução» francesa da versão de Goethe, por Joseph Henri de Saur e Saint-Geniès. Só em 1891 é que foi publicada a primeira edição francesa da obra com base no manuscrito original autógrafo, encontrado um ano antes. Neste, o título da obra é Sátira segunda, lendo-se numa nota à margem, com outra caligrafia, O Sobrinho de Rameau. Consiste num diálogo filosófico entre «Eu», o narrador, filósofo, como Diderot, e «Ele», Jean-François Rameau (1716-1775), sobrinho do célebre compositor Jean-Philippe Rameau (1683-1764). Diderot terá conhecido o sobrinho de Rameau, apresentado no livro como um parasita, com uma grande capacidade de transformar em histrionismo e teoria as suas práticas amorais. Cínico, invejoso, virtuoso do rancor, maldizente, é o «falhado» a quem o narrador parece por vezes perdoar os vícios em virtude das qualidades artísticas. No diálogo são discutidos os comportamentos e as convenções sociais, os seus mimetismos e absurdos. Sobre o livro, escreve Lionel Trilling em Sinceridade e Autenticidade: «O poder fascinante de O Sobrinho de Rameau explica-se pela natureza da sua segunda intenção: sugerir que o juízo moral não é definitivo, que a natureza e o destino do homem não são totalmente abarcados pelo espaço reduzido que fica entre a virtude e o vício. É daqui que vem a sensação de evolução, de deliciosa emancipação, que o diálogo oferece.»
| Editora | Imprensa da Universidade de Lisboa |
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| Categorias | |
| Editora | Imprensa da Universidade de Lisboa |
| Negar Chronopost e Cobrança | Não |
| Autores | Denis Diderot |
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Pensamentos Filosóficos«Um homem fora traído pelos seus filhos, pela sua mulher e pelos seus amigos; sócios infiéis tinham-no despojado da sua fortuna, fazendo-o mergulhar na miséria. Invadido de um ódio e de um desprezo profundo pela espécie humana, o homem deixou a sociedade e refugiou-se na solidão de uma caverna. Aí, premindo os olhos com os punhos, e meditando numa vingança proporcionada ao seu ressentimento, dizia: "Os perversos! Que farei para os punir das suas injustiças, e os tornar tão desgraçados como merecem? Ah, se fosse possível imaginar meter-lhes na cabeça uma grande quimera a que dessem mais importância do que à sua vida, e sobre a qual não pudessem nunca entender-se! " Ei-lo que então irrompe da caverna a gritar: "Deus! Deus! " Ecos sem conto repetem à sua volta: "Deus! Deus!" Este nome temível transmite-se de um pólo a outro e é, por toda a parte, escutado com assombro. De começo os homens prosternam-se, a seguir levantam-se, interrogam-se, disputam, tornam-se azedos, anatematizam-se, odeiam-se, degolam-se uns aos outros, e cumpre-se o voto fatal do misantropo. Pois tal foi no tempo passado, e será no tempo por vir, a história de um ser tão importante como incompreensível.» In Adição aos Pensamentos Filosóficos Publicado em 1746, à época sem autoria atribuída e de pronto proibida pelo parlamento de Paris, esta obra de Diderot toma por base o cristianismo para se debruçar sobre vários aspetos das religiões reveladas. Em Pensamentos Filosóficos, Diderot usa todos os seus recursos estilísticos para fazer do leitor um aliado, numa das primeiras obras filosóficas a trazer para o público letrado oitocentista o debate entre deísmo e religiões estabelecidas. -
Carta Sobre os Cegos para Uso Daqueles que VêemNesta obra Diderot interroga um cego de nascença sobre a ideia que lhe desperta a noção de simetria ou da beleza, procurando certificar-se de que a “beleza” para um cego não é senão uma palavra quando separada da utilidade. Todas as respostas do cego se mostram rela-tivas nos únicos sentidos de que ele dispõe. As princi-pais noções de metafísica e moral são igualmente con-cebidas por ele depois da sua experiência sensitiva. Assim, não há bem nem mal, mas pessoas que guiam os cegos e lhes abrem horizontes. Este diálogo entre um cego e um ser que vê, patente na primeira parte desta Carta Sobre os Cegos..., tem pois por objectivo levar o leitor a inclinar-se para o relativismo. A segunda parte do texto é ainda mais subversiva por Diderot sustentar aí a hipótese de uma grande desordem universal: o que é aqui normalidade não será noutro lado uma excepção? Radicalmente materialista, Diderot vira-se assim para o ateísmo e arrasta-nos com ele até à vertigem no turbi-lhão da sua reflexão que, publicada sob forma de livro em Junho de 1749, vem a ser censurada e a merecer- -lhe a prisão. -
Suplemento à Viagem de Bougainville ou Diálogo entre A. e B. sobre o Inconveniente de Ligar Ideias Morais a Certas Acções Físicas que as não ComportamÉ em 1771 que é dada a estampa da primeira edição de Voyage autour du monde, relato pelo autor da viagem empreendida, entre 1766 e 1769, ao serviço da Coroa de França que a encomendara, por Louis-Antoine de Bougainville, cujo nome ainda hoje ressoa no da flor, entretanto amplamente importada pela Europa, da buganvília. No seu Suplemento, Diderot empreende, através da ficção, radicalizar, por meio das interrogações que aquela lhe permite introduzir, a verdade da crónica, explicitando o seu alcance filosófico e político. O que faz, desfazendo, entre outras coisas, as contraposições demasiado lineares, demasiado "ideológicas", de "natureza" e "sociedade". Porque, ao mesmo tempo que desnaturaliza a sua sociedade e denuncia a sua ignorância e recalcamento da natureza em que a sua existência se apoia, Diderot não apresenta nem o "estado natural" nem esta ou aquela figura de "selvagem" como modelo, e torna claro que, naquilo que da natureza nos chega, hà tanto de mal como de bem. -
Jacques o FatalistaEm Jacques, o Fatalista, Diderot fala, conversa, dança com as palavras, traça figuras de uma coreografia arrebatadora. Diderot não nos deixa repousar um minuto: as personagens saltam, desaparecem, morrem, amam, enganam-se, agridem, ressuscitam, e tudo se processa numa agilidade e desenvoltura absolutamente surpreendentes. -
Jacques, o FatalistaPlano Nacional de Leitura Livro recomendado para o Ensino Secundário como sugestão de leitura. Como se haviam encontrado? Por acaso, como toda a gente. Como se chamavam? Que vos interessa isso? Donde vinham? Do lugar mais próximo. Para onde iam? Sabe alguém para onde vai? Que diziam? O amo não dizia nada e Jacques dizia que o seu capitão dizia que tudo o que nos acontece de bem e de mal cá em baixo está escrito lá em cima. « O Amo — Aí está uma grande frase! Jacques — O meu capitão acrescentava que cada bala que partia de uma espingarda tinha o seu destino. O Amo — E tinha razão...» Após uma curta pausa, Jacques exclamou: «Diabos levem o taberneiro mais a sua taberna!» O Amo — Porquê mandar o próximo para o diabo? Isso não é cristão. Jacques — É que, quando me embebedava com a zurrapa dele, esquecia-me de levar os cavalos a beber. O meu pai dava por isso e zangava-se. Eu abanava a cabeça mas ele pega num pau e dá-me uma esfrega nos ombros bastante dura. Ia a passar um regimento a caminho do acampamento em frente de Fontenoy, e eu, por despeito, alisto-me. Chegamos; trava-se a batalha... O Amo — E recebes a bala que te ia destinada. Jacques — Adivinhastes; um tiro no joelho. E sabe Deus as boas e más aventuras provocadas por este tiro. Estão tão exac- tamente agarradas umas às outras como os elos da corrente do cavalo. Por exemplo, se não fora aquele tiro, acho que nunca na minha vida ficaria apaixonado, nem coxo. O Amo — Estiveste então apaixonado? Jacques — Se estive!... O Amo — E isso por causa de um tiro? Jacques — Por causa de um tiro. O Amo — Nunca me disseste uma palavra sobre isso. Jacques — Acho que não. O Amo — E então porquê? Jacques — Porque não podia ter sido dito nem mais cedo nem mais tarde. O Amo — E chegou agora o momento de saber desses amores? Jacques — Quem sabe? O Amo — Seja como for, começa lá...» Jacques começou a história dos seus amores. Era depois do jantar. Estava um tempo pesado, e o amo adormeceu. A noite surpreendeu-os em pleno campo; ei-los perdidos. E temos o amo numa fúria terrível, caindo sobre o criado com grandes chicotadas, e o pobre diabo dizendo a cada uma: «Pelos vistos, também esta estava escrita lá em cima.» -
Isto Não é Um ContoLogo que se acaba um conto, ele pertence a quem o escuta; e por pouco que o conto dure, é raro que o contador não seja algumas vezes interrompido pelo seu ouvinte. Eis porque introduzi na narrativa que se vai ler, e que não é um conto, ou que é, em caso de dúvida, um mau conto, uma personagem que desempenha, por assim dizer, o papel do leitor; e eu começo. -
Pensamentos Filosóficos«Um homem fora traído pelos seus filhos, pela sua mulher e pelos seus amigos; sócios infiéis tinham-no despojado da sua fortuna, fazendo-o mergulhar na miséria. Invadido de um ódio e de um desprezo profundo pela espécie humana, o homem deixou a sociedade e refugiou-se na solidão de uma caverna. Aí, premindo os olhos com os punhos, e meditando numa vingança proporcionada ao seu ressentimento, dizia: "Os perversos! Que farei para os punir das suas injustiças, e os tornar tão desgraçados como merecem? Ah, se fosse possível imaginar? meter-lhes na cabeça uma grande quimera a que dessem mais importância do que à sua vida, e sobre a qual não pudessem nunca entender-se!?" Ei-lo que então irrompe da caverna a gritar: "Deus! Deus!?" Ecos sem conto repetem à sua volta: "Deus! Deus!" Este nome temível transmite-se de um pólo a outro e é, por toda a parte, escutado com assombro. De começo os homens prosternam-se, a seguir levantam-se, interrogam-se, disputam, tornam-se azedos, anatematizam-se, odeiam-se, degolam-se uns aos outros, e cumpre-se o voto fatal do misantropo. Pois tal foi no tempo passado, e será no tempo por vir, a história de um ser tão importante como incompreensível.» In Adição aos Pensamentos Filosóficos Publicado em 1746, à época sem autoria atribuída e de pronto proibida pelo parlamento de Paris, esta obra de Diderot toma por base o cristianismo para se debruçar sobre vários aspetos das religiões reveladas. Em Pensamentos Filosóficos, Diderot usa todos os seus recursos estilísticos para fazer do leitor um aliado, numa das primeiras obras filosóficas a trazer para o público letrado oitocentista o debate entre deísmo e religiões estabelecidas.VER POR DENTRO Ver página inteira
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Os CavaleirosOs Cavaleiros foram apresentados nas Leneias de 424 por um Aristófanes ainda jovem. A peça foi aceite com entusiasmo e galardoada com o primeiro lugar. A comédia surgiu no prolongamento de uma divergência entre o autor e o político mais popular da época, Cléon, em quem Aristófanes encarna o símbolo da classe indesejável dos demagogos. Denunciar a corrupção que se instaurou na política ateniense, os seus segredos e o seu êxito, eis o que preocupava, acima de tudo, o autor. Discursos, mentiras, falsas promessas, corrupção e condenáveis ambições são apenas algumas das 'virtudes' denunciadas, numa peça vibrante de ritmo que cativou o público ateniense da época e que cativa o público do nosso tempo, talvez porque afinal não tenha havido grandes mudanças na vida da sociedade humana. -
Atriz e Ator Artistas - Vol. I - Representação e Consciência da ExpressãoNas origens do Teatro está a capacidade de inventar personagens materiais e imateriais, de arquitetar narrativas que lancem às personagens o desafio de se confrontarem com situações e dificuldades que terão de ultrapassar. As religiões roubaram ao Teatro as personagens imateriais. Reforçaram os arquétipos em que tinham de se basear para conseguirem inventariar normas de conduta partilháveis que apaziguassem as ansiedades das pessoas perante o mundo desconhecido e o medo da morte.O Teatro ficou com as personagens materiais, representantes não dos deuses na terra, mas de seres humanos pulsionais, contraditórios, vulneráveis, que, apesar de perdidos nos seus percursos existenciais, procuram dar sentido às suas escolhas.Aos artesãos pensadores do Teatro cabe o desígnio de ir compreendendo a sua função ao longo dos tempos, inventando as ferramentas, esclarecendo as noções que permitam executar a especificidade da sua Arte. Não se podem demitir da responsabilidade de serem capazes de transmitir as ideias, as experiências adquiridas, às gerações vindouras, dando continuidade à ancestralidade de uma profissão que perdura. -
As Mulheres que Celebram as TesmofóriasEsta comédia foi apresentada por Aristófanes em 411 a. C., no festival das Grandes Dionísias, em Atenas. É, antes de mais, de Eurípides e da sua tragédia que se trata em As Mulheres que celebram as Tesmofórias. Aristófanes, ao construir uma comédia em tudo semelhante ao estilo de Eurípides, procura caricaturá-lo. Aristófanes dedica, pela primeira vez, toda uma peça ao tema da crítica literária. Dois aspectos sobressaem na presente caricatura: o gosto obsessivo de Eurípides pela criação de personagens femininas, e a produção de intrigas complexas, guiadas por percalços imprevisíveis da sorte. A somar-se ao tema literário, um outro se perfila como igualmente relevante, e responsável por uma diversidade de tons cómicos que poderão constituir um dos argumentos em favor do muito provável sucesso desta produção. Trata-se do confronto de sexos e da própria ambiguidade nesta matéria. -
A Comédia da MarmitaO pobre Euclião encontra uma marmita cheia de ouro, esconde-a e aferra-se a ela; passa a desconfiar de tudo e de todos. Entretanto, não se apercebe que Fedra, a sua filha, está grávida de Licónides. Megadoro, vizinho rico, apaixonado, pede a mão de Fedra em casamento, e prontifica-se a pagar a boda, já que a moça não tem dote. Euclião aceita e prepara-se o casamento. Ora acontece que Megadouro é tio de Licónides. É assim que começa esta popular peça de Plauto, cheia de peripécias e de mal-entendidos, onde se destaca a personagem de Euclião com a sua desconfiança, e que prende o leitor até ao fim. «O dinheiro não dá felicidade mas uma marmita de ouro, ao canto da lareira, ajuda muito à festa» - poderá ser a espécie de moralidade desta comédia a Aulularia cujo modelo influenciou escritores famosos (Shakespeare e Molière, por exemplo) e que, a seguir ao Anfitrião, se situa entre as peças mais divulgadas de Plauto. -
O Teatro e o Seu Duplo«O Teatro e o Seu Duplo, publicado em 1938 e reunindo textos escritos entre 1931 e 1936, é um ataque indignado em relação ao teatro. Paisagem de combate, como a obra toda, e reafirmação, na esteira de Novalis, de que o homem existe poeticamente na terra.Uma noção angular é aí desenvolvida: a noção de atletismo afectivo.Quer dizer: a extensão da noção de atletismo físico e muscular à força e ao poder da alma. Poderá falar-se doravante de uma ginástica moral, de uma musculatura do inconsciente, repousando sobre o conhecimento das respirações e uma estrita aplicação dos princípios da acupunctura chinesa ao teatro.»Vasco Santos, Posfácio -
Menina JúliaJúlia é uma jovem aristocrata que, por detrás de uma inocência aparente esconde um lado provocador. Numa noite de S. João, Júlia seduz e é seduzida por João, criado do senhor Conde e noivo de Cristina, a cozinheira da casa. Desejo, conflitos de poder, o choque violento das classes sociais e dos sexos que povoam aquela que será uma noite trágica. -
Os HeraclidasHéracles é o nome do deus grego que passou para a mitologia romana com o nome de Hércules; e Heraclidas é o nome que designa todos os seus descendentes.Este drama relata uma parte da história dos Heraclidas, que é também um episódio da Mitologia Clássica: com a morte de Héracles, perseguido pelo ódio de Euristeu, os Heraclidas refugiam-se junto de Teseu, rei de Atenas, o que representa para eles uma ajuda eficaz. Teseu aceita entrar em guerra contra Euristeu, que perece na guerra, junto com os seus filhos. -
A Comédia dos BurrosA “Asinaria” é, no conjunto, uma comédia de enganos equilibrada e com cenas particularmente divertidas, bem ao estilo de Plauto. A intriga - na qual encontramos alguns dos tipos e situações características do teatro plautino (o jovem apaixonado desprovido de dinheiro; o pai rival do filho nos seus amores; a esposa colérica odiada pelo marido; a cínica, esperta e calculadora alcoviteira; e os escravos astutos, hábeis e mentirosos) - desenrola-se em dois tons - emoção e farsa - que, ao combinarem-se, comandam a intriga através de uma paródia crescente até ao triunfo decisivo do tom cómico.